sábado, 24 de junho de 2017

Não existe floresta grátis

Esta casa pertence a uma holandesa e estava no caminho do inacreditável incêndio de Portugal. Enquanto todo mundo perdeu tudo, vida, família, casa, bens, esta senhora perdeu praticamente nada. Escreveu no Facebook que ia pra varanda tomar uma cerveja após voltar de mais um funeral.

Liedewij Schieving salvou o que tinha porque manteve árvores nativas ao redor de sua casa em uma espécie de sítio agroflorestal chamado Quinta da Fonte, ilhada em meio a um mar de eucaliptos.

Eucaliptos são nativos da Austrália e foram largamente plantados nas montanhas portuguesas, como se faz no Brasil, ao mesmo tempo em que o país vivenciava um grande êxodo rural, como se faz no Brasil. Resultado: imensos eucaliptais, com muita matéria orgânica seca sobre o solo, sem manejo, sem cuidados e sem ninguém por perto pra se preocupar, já que quem planta eucalipto só aparece de 8 em 8 anos pra fazer dinheiro rápido. Bem rápido mesmo. Difícil até saber o que é mais rápido, o dinheiro ou a pressa deles em ir embora dali.

Os eucaliptos têm outro agravante que é a produção de uma resina inflamável, o que lhes dá a capacidade de, como descreveram os inúmeros relatos de portugueses, fazer labaredas saltarem por sobre os vales, de uma montanha a outra. A imensa maioria das espécies nativas não têm esse 'problema', que de qualquer forma é diluído em uma floresta saudável e com alta diversidade. Como a lógica indica, também são mais bem adaptadas ao clima local e, portanto, mais resilientes. A maioria das árvores do sítio não queimou - da mesma forma que blocos preservados de Amazônia não pegam fogo - por causa das espessas e volumosas folhas de suas copas e do bolsão de umidade mantida pela brava fileira de carvalhos, castanheiras, oliveiras e sabugueiros.

Não tem erro gente. Não tem erro, não. Se mete a manejar áreas nativas com base no que é mais fácil, mais rápido, mais barato, e pague um preço alto lá na frente. Respeite o ecossistema nativo, os bilhões de anos de evolução deste planeta e o conhecimento científico já acumulado pela humanidade e evite tragédias anunciadas sem nem tomar conhecimento que elas poderiam ter ocorrido.

Serve pra eucaliptal, pra monocultura de soja, pra mega-barragens em rios, não importa. Os serviços prestados pelo meio ambiente são que nem um PF na hora do almoço no restaurante da esquina:

ELES NÃO EXISTEM GRÁTIS

Postado originalmente (com grande repercussão) no Facebook.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Animação mostra os impactos ambientais de estradas na Amazônia

Veja como a degradação florestal, a extração de madeira e os focos de incêndio na Amazônia estão intimamente relacionados à presença de estradas, que permitem o acesso a locais anteriormente remotos da floresta.

Veja a relação entre degradação ambiental, retirada de madeira e focos de incêndio na Amazônia com a presença de estradas.
Fonte dos mapas: http://florestasilenciosa.ambiental.media/

Se você pausar o GIF nos focos de incêndio florestal, por exemplo, consegue ver claramente o traçado da rodovia transamazônica. Esta corta o coração da Amazônia brasileira de nordeste a sudoeste e se encontra com a BR 163, vinda do Mato Grosso, bem no centro do mapa. Um pouco abaixo dessa confluência, às margens da estrada, estão unidades de conservação como a Floresta Nacional do Jamanxim que estão sendo tomadas por grileiros e que deverão ser destruídas por Temer e a bancada ruralista. A ocupação é obviamente induzida pela rodovia. Também podem ser vistos vários pequenos focos de incêndio ao longo do rio Amazonas, outra via importante de transporte.

Outro ponto que chama a atenção é a BR 319, de Manaus a Porto Velho, no centro-oeste da Amazônia. Há muito pouca degradação ambiental no entorno da rodovia porque ela não é asfaltada e está em condições precárias. O projeto de asfaltamento sofre firme resistência do IBAMA e de especialistas e há uma clara tentativa de atropelar o licenciamento ambiental e apressar a obra, como é praxe do nosso governo, o que fatalmente abriria a última fronteira de desmatamento no intacto - pois isolado - bloco de florestas do oeste brasileiro.

Tirei os mapas do belo projeto do http://florestasilenciosa.ambiental.media/

Postado originalmente no Facebook.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

O tiozinho da Embrapa atacou de novo

Tô aqui embasbacado com o "artigo" do intrépido tiozinho da Embrapa, Evaristo de Miranda, publicado no Estadão (http://bit.ly/2tdcM1k). Ele assinou com caps lock no fim "CHEFE GERAL DA EMBRAPA MONITORAMENTO POR SATÉLITE". Não lia nada tão ruim desde o prefácio do PL que alterava o Código Florestal, de autoria do Aldo Rebelo. É sem dúvida um grande feito (que achei pelo ótimo ClimaInfo).

Não me refiro aos incontáveis erros de concordância ou à, digamos, ousada aplicação de pontos de exclamação, parênteses e reticências ao longo do artigo. O que escandaliza é a desonestidade com os dados, a absoluta ausência de rigor científico e a deliberada distorção de números, fatos e estatísticas pra ludibriar leitores leigos.

O título já é audacioso: "Agricultura lidera preservação no Brasil". Qualquer pessoa mais ou menos bem informada já sabe que vem por aí uma cruzada anti-ambiental pautada no falso antagonismo entre produção e preservação; e que o texto invariavelmente vai falhar na sustentação de tão audaciosa sentença.

É o que acontece: primeiro Evaristo cita que o Brasil tem 13% do território em APs (áreas protegidas, ou seja, unidades de conservação + terras indígenas, segundo a definição que ele parece ter usado aqui), quando tem pelo menos o dobro (http://bit.ly/2td7MJV). Depois ele afirma que a área de reserva legal protegida nas propriedades rurais (20,5% segundo ele) é maior que a área das APs (13%) porque é 20 é maior que 13, sem citar que 20 se refere apenas a área somada das propriedades rurais (ou seja, 410 milhões de ha) e que 13%, que na verdade são 27%, se aplicam sobre toda a área do país (851 milhões ha); matemática básica, as áreas protegidas não são pouco mais da metade, mas o dobro do percentual (não 13, mas 27%) de uma área duas vezes maior (851 x 410), ou seja, 4 vezes mais terras do que as reservas legais, quase 8x o que ele sustenta. Pra quem é CHEFE GERAL DA EMBRAPA MONITORAMENTO POR SATÉLITE é um "erro" com algum peso...

Detalhe: sei que não deveria, mas tô dando um voto de confiança nos 20% dele sobre preservação em propriedades rurais, com base no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Desconfio que tem mutreta estatística aí também, como contabilizar áreas de preservação que deveriam ser preservadas, mas que não estão de fato, seja pela anistia de Dilma  Temer e sua base aliada, seja pela ineficiência da aplicação da lei. Além disso, o CAR é feito com base apenas na declaração dos proprietários e não tem georreferenciamento obrigatório, portanto ainda carece de validação por parte do poder público, por via remota ou por vistorias. Evaristo deu sua opinião sobre esta necessária validação de dados pra que o código florestal seja de fato cumprido: "pasmem! – algumas instituições ainda pretendem organizar uma verdadeira 'inquisição informatizada' para analisar a situação ambiental de cada um".

Miranda is on fire: diz que reserva legal, aquele percentual da sua propriedade que você não pode mexer pra fins de preservação, é tipo você comprar um ap e não poder usar 80% da área dele ¯\_(ツ)_/¯. Esse insight maravilhoso sequer é original, dado que todos os outros lobistas do agronegócio, como por exemplo a feminista-neocomunista Kátia Abreu, costumam passar vergonha com ele. Completa dizendo que o proprietário "cuida de tudo e paga impostos, mesmo sobre o que lhe é vedado usar", o que é uma mentira deslavada, dado que o ITR (o IPTU da roça) é calculado com base apenas na área "produtiva" (e também tem alto índice de sonegação porque carece de validação dos dados, Evaristo, não vamos esquecer).

O fim do artigo é dedicado a desafiar a própria lógica em uma longa explanação com números nebulosos mostrando o tanto que a agricultura preserva mais que as terras indígenas e as unidades de conservação. Ora, se isso é verdade, apenas reforça a tese de que temos um grande déficit de áreas protegidas no Brasil. De fato o único bioma bem protegido é a Amazônia, com grandes UCs e TIs; no sudeste e no sul os indígenas foram dizimados nos primeiros séculos e as paisagens rapidamente convertidas, e o que se discute hoje é como salvar o que sobrou e como evitar que o Cerrado, a Caatinga e a Amazônia tenham o mesmo destino dos Pampas e da Mata Atlântica, onde praticamente não há pra onde expandir APs. O fato de propriedades rurais abrigarem boa parte dos remanescentes só reforçam que a exigência de reservas legais e APPs em propriedades rurais é uma política acertada.

Pra terminar, Evaristo argumenta que "a responsabilidade e os custos decorrentes da imobilização e da manutenção dessas áreas recaem inteiramente sobre os produtores, sem contrapartida da sociedade, principalmente dos consumidores urbanos", o que ignora que as áreas preservadas (dentro e fora das propriedades) são o que garantem a água, os polinizadores, a ciclagem de nutrientes, a estabilidade climática e muitos outros insumos da agricultura; ignora os 200 bilhões anuais de crédito altamente subsidiado que a sociedade brasileira dá pra viabilizar o setor; e ignora a poluição do ar e da água, a concentração de renda, o trabalho escravo, o êxodo rural e todos as outras imensas externalidades que a sociedade recebe de volta, de forma difusa, sem contrapartida dos 'grandes produtores'.

E a parte mais triste é a ameaça final: "a Embrapa calculará o valor e o custo de toda essa área imobilizada". O papelão da Embrapa em 2010 se omitindo quando se discutia o novo código florestal, sua atuação orientada pro desenvolvimento de tecnologias em transgênicos com dinheiro público e o abrigo que dá a pessoas dedicadas a fazer lobby do agronegócio - essa seita parasitária que busca crescer a qualquer custo avançando sobre a destruição de direitos alheios e bens comuns - é a parte mais triste da história.

Postado originalmente no Facebook.

terça-feira, 30 de maio de 2017

Leptophis ahaetulla

Agosto/16, amarrei o barco no primeiro arbusto acessível do lago Mamirauá e um dos guias locais começou a palestra. Eu geralmente só interrompia se passasse um bando de araras ou pra traduzir aquelas gírias maravilhosas do amazonês-de-beira-de-rio pro 'português', e daí pro inglês, que afinal é língua de 70% dos turistas que vão à Pousada Uacari. O papo ia longe quando fui despertado de uma longa explanação, totalmente concentrado que estava em traduzir coisas como "boiou o macaco" ou "olho da samaúma": lá da popa, do outro lado do canoão, a resenha comia solta, os guias se matavam de rir e já tavam pra cair no lago.

Parêntese: os guias locais são ribeirinhos, em sua maioria moleques com menos de 25 anos, cuja rotina de trabalho se alterna entre achar animais invisíveis ao olho humano literalmente através de um emaranhado de folhas e galhos, como se fossem meros elefantes em uma savana, com a arte de zoar os gringos - pela cor, pelo cabelo, pelo sotaque, pelo medo de absolutamente tudo que se move ou simplesmente pela cara de gringo que os gringos têm.

Naturalmente supus do que se tratava e até já guardava umas três histórias daquele passeio pra resenha da noite, quando os turistas dormem e todo mundo se amontoa em redes nos fundos da pousada. Mandei calarem a boca e tentei continuar, uma, duas, três vezes, sem sucesso. Ajoelhado na extremidade da proa e virado pra trás eu via todos os 20 turistas e guias distribuídos nas duas canoas emparelhadas e a essa altura a risada já tinha contagiado metade do grupo. Uns comentários em línguas que eu não faço a menor ideia e dedos apontando pro meu ombro direito denunciaram que eles riam em minha direção. Congelei por um instante e me virei, lentamente.

Depois daqueles 2 segundos intermináveis que você leva pra ver um animal amazônico e sua inacreditável camuflagem de folha, ou de galho, ou de ambos, focalizei essa criatura magnífica me encarando, assim, de soslaio, a menos de três palmos de distância. Me esforçando pra manter a postura de biólogo-indiana-jones que a gente espera do nosso guia naturalista amazônico e tentando não recuar mais que os mínimos 10 cm esperados de um ser humano nessa situação, soltei algum palavrão em português que fez a gringaiada desabar a rir. Os moleques já se contorciam, olhavam pros gringos e confirmavam "isneik, isneik" antes de voltar a gargalhar. Uma terceira parte do trabalho deles era rir da minha cara - pra eles, tão gringa quanto qualquer outra - além de xingar o Lucas Pratto e o Robinho só pra me ver chamar pra briga.

Leptophis ahaetulla, cobra-cipó ou cobra-papagaio, no Lago Mamirauá, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá/AM
Paramos pra sessão de fotos da cobra-papagaio e seguimos a palestra, que se emendou a uma revoada de garças, a uma perseguição de botos cor de rosa e à fuga dos macacos brancos de cara vermelha. Foi a quinta ou sexta semana seguida que o sol se pôs e o excesso de vida amazônica não deixou a gente cobrir nem metade do trajeto planejado...

Postado originalmente no Facebook

terça-feira, 2 de maio de 2017

SP tem mais dinheiro pro meio ambiente que o Brasil

Do Observatório do Clima: "O orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi contingenciado em 51%, de R$ 911 milhões pra R$ 446 milhões."

Do ClimaInfo: "O secretário ruralista do Meio Ambiente [de São Paulo], Ricardo Salles, alega que as áreas [de floresta que o estado quer abrir para concessão] estão dando um déficit anual de R$ 48 milhões enquanto o orçamento da sua secretaria para este ano é de R$ 1,15 bilhões."

Sim, amigos. O orçamento do Ministério do Meio Ambiente da República Federativa do Brasil é menor que o orçamento da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Postada originalmente no Facebook

quinta-feira, 9 de março de 2017

Entrevista: Deputados Amazonenses não têm o tamanho da Amazônia

Na última sexta-feira saiu uma ótima reportagem do Amazônia Real sobre as UCs que Padilha et al. querem desafetar no sul do Amazonas, com alguns comentários meus. Agradeço a Elaíze Farias pela oportunidade. Quem quiser dar uma olhada só seguir o link. Falei do despreparo dos deputados amazonenses em entender o melhor caminho para aproveitar a floresta, e também da importância da permanência das UCs na região.

Neste post vou disponibilizar a íntegra das opiniões e informações que preparei para a reportagem, em uma análise expandida dessas questões. Segue:

Sobre a atuação da bancada do Amazonas e seus reais interesses

A opinião dos parlamentares do Amazonas é de quem desconhece as potencialidades e as riquezas do próprio estado. O que eles chamam de produção é uma visão ultrapassada de desenvolvimento. O grande potencial do estado do Amazonas reside no que o faz único no planeta, a sua biodiversidade e a cultura de seus povos tradicionais. Assim, se o estado tem algo que pode colocá-lo na vanguarda do desenvolvimento nacional e uma referência no mundo, em um momento em que urgem alternativas sustentáveis ao modelo vigente, é aliar seu patrimônio natural e o conhecimento acumulado sobre ele. Me refiro a duas coisas: a prospecção de moléculas e fármacos e no desenvolvimento  de novas tecnologias a partir dos recursos naturais únicos que o Amazonas abriga; e, claro, aos serviços ambientais que há muito tempo suas florestas produzem e que sustentam as atividades econômicas do país e de várias regiões do mundo. O Amazonas é um grande “produtor” de água, chuvas, estabilidade climática, ar puro, polinizadores, madeira, frutos, enfim, incontáveis serviços que só se gera em um ecossistema bem preservado.

Quando um representante deste estado, ou quase todos eles juntos, vêm articular políticas públicas que potencialmente trocam estes inestimáveis serviços por um modelo de produção predatório, devastador, uniformizador, onde poucas pessoas lucram, isso só diz o quanto eles não estão preparados para representarem o que é de fato o Amazonas.

Eles deveriam se unir para pensar em formas de alavancar o desenvolvimento do estado a partir da pesquisa e da inovação, do turismo ambiental e, principalmente, do reconhecimento dos serviços ambientais pelo resto do país e do mundo. Deveriam pensar em como o estado pode capitalizar sobre estes serviços que oferece e que são imprescindíveis à agricultura, às cidades, ao centros urbanos, à matriz energética e demais atividades econômicas do Brasil. Ou em como atrair pólos de desenvolvimento tecnológico, pesquisa e inovação, como incentivar que os produtos da floresta sejam conhecidos e consumidos país afora. É essa a resposta que o mundo espera do Brasil hoje, diante do colapso do clima, dos recursos naturais e dos povos tradicionais: saber usar o seu potencial.

No contexto deste imbróglio, especificamente, creio que não deveria nem haver essa discussão, esta retórica desenvolvimentista não faz sentido por dois motivos: i) três das UCs que estão sendo alteradas - as duas Florestas Nacionais e a Área de Proteção Ambiental - já permitem o uso produtivo da terra. Sua existência é compatível com a produção de madeira, alimentos e gado, desde que sigam restrições elencadas nos planos de manejo das UCs, que visa assegurar que não haja perdas ambientais significativas nestes processos e garantem uma produção mais sustentável; e ii) as terras em que foram criadas as UCs pertencem ao Ministério do Meio Ambiente, e não a produtores locais. Como é que eles imaginam que, com a retirada das UCs, elas se tornariam “produtivas”? Só se elas deixassem de ser do Ministério por algum ato posterior do governo, o que tornaria a situação ainda mais aberrante.

No fim das contas, é uma falsa disputa de “áreas produtivas x áreas preservadas”, a existência das UCs não está ocupando lugar de terrenos produtivos, apenas dando uma finalidade a terras que já são de posse do Ministério do Meio Ambiente. Os parlamentares amazonenses nesse sentido, são iguais aos do restante do Brasil: profundamente ignorantes  em temáticas ambientais e de desenvolvimento sustentável, despreparados para os desafios deste século.

Importância da presença das UCs na região

Estas UCs são parte fundamental de um grande projeto que visa formar uma barreira ao desmatamento. Esta estratégia foi bem sucedida nas fronteiras leste e sudeste da Amazônia e foi um dos fatores preponderantes para a queda em cerca de 80% do desmatamento da Amazônia brasileira entre 2004 e 2010. A presença de UCs evitou que as terras fossem ocupadas e freou a progressão do agronegócio vindo do Nordeste e Centro-Oeste brasileiro. O sul do Amazonas é hoje a mais ativa fronteira agropecuária do estado, e as cidades que abrigam as 5 UCs em disputa são protagonistas neste processo, responsáveis por mais da metade do desmatamento amazonense nos últimos anos.

Como é amplamente repercutido, a reconstrução da BR-319 e de uma rede de ramais que o projeto prevê, como a AM-366, vai abrir acesso fácil a alguns dos blocos de floresta mais protegidos da Amazônia, no norte e no extremo oeste brasileiro, e ao riquíssimo corredor florestal existente entre os rios Purus e Madeira (interflúvio Purus-Madeira). Esta região tem uma das maiores taxas de riqueza de espécie de toda a Amazônia e ainda hoje é palco do descobrimento de espécies mesmo em grupos bióticos já muito bem estudados, como mamíferos e aves. Está, em grande parte, intacto por seu isolamento. Estima-se que cerca de 90% do desmatamento na Amazônia ocorra a menos de 25km de estradas.

As UCs em disputa são cinco dentre mais de vinte criadas na região de influência da BR-319, e se localizam a 200km de distância desta, cobrindo o lado direito (norte) da rodovia transamazônica (BR-230). A transamazônica é notória indutora de ocupação e desmatamento na Amazônia, e nesta região saem dois ramais que a conectam à BR-319: a BR-174, vinda de Vilhena/RO, e a AM- 174. Assim, a presença das UCs ajuda a fechar uma brecha no arco do desmatamento e aumenta a proteção em ramais que tendem a ser reativados caso a BR-319 volte a ser plenamente transitável. Vale lembrar que a rodovia foi praticamente abandonada desde a sua criação, na década de 70, devido aos altos custos de se manter uma estrada em uma floresta tropical. E que ainda hoje discute-se a sua necessidade, devido ao baixíssimo custo do transporte hidroviário pelo rio Madeira, que faz praticamente o mesmo percurso. O uso mais intensivo de toda a rede rodoviária do sul amazonense tende a aumentar os deslocamentos regionais perto das novas UCs e, na ausência destas, aumentar as ocupações e a pilhagem de recursos naturais.

Isso é ainda mais preocupante em uma escala maior quando se considera a conexão com o trecho da BR-174 entre Manaus e Boavista, que vai até a fronteira norte de Roraima, o que na prática divide a Amazônia ao meio em sentido norte-sul, de Porto Velho/RO a Paracaima/RR. Caso isso não seja feito de forma planejada, cria-se uma cicatriz de mais de 2000 km de extensão, que tende a se tornar vetor de desmatamento para leste e para oeste a partir do centro, fragmentando definitivamente a massa florestal e abrindo caminho para a exploração de todos os locais que hoje são inacessíveis. De acordo com modelagens climáticas recentes do professor Antônio Nobre, isso poderia ser catastrófico para o regime de chuvas de todo o país e para a conservação de muitas espécies, processos ecológicos e serviços ambientais.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Desmatamento X desafetação de UCs no sul do Amazonas

Usei toda minha (des)habilidade em cartografia pra mostrar esses mapinhas aí. À esquerda, com limites em vermelho-invisível, as 5 Unidades de Conservação (UCs) que o ministro Padilha e os parlamentares do Amazonas querem reduzir no sul do estado. À direita, o mapa divulgado ontem pelo Imazon com as ocorrências de desmatamento na Amazônia entre dezembro e janeiro (http://migre.me/w6kzD).


Não são áreas próximas ou parecidas, são EXATAMENTE o mesmo lugar (só usar como referência o encontro dos rios Juruena e São Manuel, formando o Tapajós na tríplice fronteira MT/PA/AM). O município de Apuí (AM), inclusive, foi o mais desmatado de toda a Amazônia no período analisado. Ele está marcado no mapa com a estrelinha amarela. 

Os X vermelho e amarelo que eu coloquei são, respectivamente, a BR-319, que está sendo reconstruída, e a BR-230 (transamazônica), pra mostrar a relação das UCs com as BRs, estratégia fundamental pra evitar a expansão do desmatamento induzido por rodovias.

No caso das 5 UCs do Padilha, existem dois ramais que vão da região de Apuí/AM até a BR-319. O mapa só mostra um, a BR-174, marcada com X azul, atravessando a Flona Aripuanã. Estes ramais seriam reativados com a pavimentação da BR-319 e serviriam pra escoar produtos pilhados da floresta e permitir a novos invasores o acesso a áreas intactas do oeste amazônico.

Padilha já é processado por grilagem de terras no RS. Será que ele tem interesse em abrir a Amazônia pra invasores bem na fronteira do desmatamento do estado?

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Mata Atlântica é igual o governo Temer: não tem notícia boa

Divulgaram essa boas notícias aí sobre a Mata Atlântica (https://goo.gl/W1E28r). Mas notícia boa da Mata Atlântica é igual notícia boa do governo Temer. O fato de que 200 mil hectares de Mata Atlântica estão se regenerando nos últimos 30 anos não é algo a ser comemorado, é apenas... uma divertida curiosidade.

Divirta-se você também imaginando porque a mata atlântica está se regenerando aleatoriamente Brasil afora. Um tiozinho brigou com a esposa por causa das vacas e jurou que nunca mais ia mexer com esses trem de pasto, só de raiva? Um agricultor bem velhinho morreu e os herdeiros, que realizaram o sonho do pai de ir pra faculdade, não querem nem saber de mexer com mato? O Sebastião Salgado ficou milionário e resolveu fazer uma ação bonitinha na fazenda irrelevante da família dele com patrocínio das mesmas empresas que queimaram a floresta primária de todo o leste de Minas Gerais em forno de fundir minério de ferro?

Claro que você pode incluir os projetos de reflorestamento, Pagamento por Serviços Ambientais, RPPNs, mosaicos, planos municipais da mata atlântica, recomposição de APPs e afins, iniciativas de organizações espetaculares como a SOSMA e pessoas igualmente espetaculares, que conseguiram na raça avanços pontuais em diferentes lugares. Grande esforço dos estados, do governo federal, programas, projetos de reflorestamento que dêem conta do tamanho do buraco em que o bioma está enfiado, não adianta perder tempo procurando.

De divertida a situação da Mata Atlântica não tem nada. A matéria omite mas o desmatamento medido pela mesma instituição, ou seja, provavelmente com os mesmos métodos e no mesmo período, foi pelo menos 9 vezes maior (https://goo.gl/YqESXB), o que torna o resultado líquido muito, mas muito, mas muito negativo. Com a outra desvantagem de que o desmatamento não é randômico como a regeneração, ele é muito bem organizado pela mineração e pelo agronegócio (https://goo.gl/9xi1K9). A carência de notícias boas é tão grande que estamos divulgando a regeneração bruta sem descontar o desmatamento.

Já o outro dado de que o desmatamento caiu 83% em 30 anos e que 7 estados conseguiram levá-lo a zero, bem, isso não é muito mais do que o esperado. Restam míseros 12,5% de florestas em extrema fragmentação segundo o mesmo levantamento, a margem pra desmatamento hoje é baixa e obviamente a taxa histórica não se sustenta. Florestas são finitas. A lei da mata atlântica e os planos municipais são avanços muito importantes e restringem o desmate, mas convenhamos, estamos muitas décadas atrasados, o momento de preservar era o estágio de 50, 80 anos atrás. Mais do que preservar, o urgente é restaurar, restaurar, restaurar, restaurar, restaurar, porque se matar pra manter o percentual atual não vai resolver o problema. Já estamos há algumas décadas numa corrida alucinada contra o relógio, cada dia sem restaurar diminui a eficiência da restauração, as populações não restauradas estão sumindo, o pool gênico está se deteriorando com a falta de restauração, a megafauna que não foi restaurada está praticamente extinta do bioma não restaurado, os fragmentos minúsculos definham até se tornarem inúteis na falta de conectividade. Vou repetir restaurar mais uma vez nesse fim de parágrafo pra ver se grava. Restaurar.

Não digo que é fácil nem que os esforços são mal direcionados. Quem tá nessa luta faz o que pode fazer, contando apenas com as próprias forças.

Só pra ficar mais didático: o Brasil tem o compromisso de proteger 17% do bioma em reservas até 2020, e obviamente seria bacana ter florestas também fora das reservas; restam 12,5% da MA, sendo menos de 2% em reservas (não tô contando APA tá gente, por motivos óbvios); de 2009 pra cá, o desmatamento (bruto, em área) aumentou - diminuiu sim em relação a 1985, mas aumentou em relação a 2009. Ou seja, precisamos no curto prazo zerar virtualmente o desmatamento e restaurar no mínimo uns 10% da área e transformar quase tudo que restou em reservas, o que é uma utopia bem grande. Isso pra ter o mínimo do mínimo do mínimo. Tão acompanhando? 10%.

A regeneração comemorada nesta matéria, acumulada em trinta longos anos, quase o tempo que o cruzeiro levou pra ganhar seu primeiro campeonato brasileiro, corresponde a... 0,18%. Zero vírgula dezoito porcento.
(texto originalmente postado no Facebook)

Pegadinha na Mata Atlântica

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O último pôr do sol

Essa foto estourada, esquisita, sem cor é uma das mais especiais da minha vida. Foi feita há exatos dois anos, enquanto eu passarinhava sem entender de pássaros e fotografava sem entender de fotos, com o Daniel Teixeira. Continuo sabendo muito pouco de ambos.

Pôr do sol no Rio Doce, antes da lama

Mas era uma passarinhada fotográfica ao entardecer dentro do rio Doce, cercado de sapucaias floridas. Aquele que completa, daqui duas semanas, 1 ano de extinção. Passamos uns 5 dias em um alojamento construído em uma ponte sobre o rio, que nos permitia ouvir e observar dia e noite.

A água não era lá muito funda, por conta do assoreamento severo que o rio enfrentava e provavelmente pela redução da vazão. Ambos causados pelo desmatamento desenfreado da bacia para alimentar as siderúrgicas mineiras ao longo de todo o século XX. Assim, a exploração do ferro matou o rio Doce pouco a pouco pela destruição das florestas mineiras ao longo de várias décadas, pra extirpá-lo de vez no último ano. É possível que algumas ou várias características físicas e biológicas do rio sejam recuperadas nas próximas décadas com um grande esforço de restauração (que não tem nem sinal de que vá acontecer), mas é claro como as águas do rio naquele dia que ele nunca mais será o mesmo. Nunca mais alguém terá a chance de retratar, de maneira decente, o pôr do sol espetacular que nós vivemos. Terão que se contentar esta foto (o Daniel acho que nem tem, já que deixou a câmera cair na água tentando pegar um peixe, o infeliz).

Naquela tarde vimos grandes grupos de dourados, pegadas de antas e onças-pardas, macuco, tiribas-grande e muitas, muitas outras espécies de aves. Todas ali obviamente por causa da água. Algumas destas espécies só tinham/têm registros mineiros recentes praquele trecho, que margeia o maior bloco (resto) de mata atlântica do estado, o Parque Estadual do Rio Doce (PERD). Penso nelas sempre que me lembro o que o misto de negligência ambiental, desprezo pelo licenciamento, corrupção e ganância ocasionaram ao rio. Caminhamos por horas com a água na cintura e observando a exuberância das margens do PERD, sempre na expectativa de que algo muito raro pulasse na nossa frente, como acontecera nas visitas anteriores, com o namoro das antas, ou o encontro com os muriquis ou quando topamos o fantasma jacu-estalo dulcis, que nos rendeu uma publicação, duas palestras e algumas cervejas. O PERD é especial assim... Não sei como está hoje, não tive tempo nem coragem de ir conferir, mas sei que é uma experiência que não volta mais.

Me despeço desta sessão nostálgica com a descrição registrada pelo naturalista francês Auguste Saint-Hilaire, que andou de canoa nesse mesmo local em 1818, ou seja, 200 anos atrás, e deixou o seguinte registro: 

"O rio Doce corria majestoso entre as escuras florestas que o margeiam. Completa calma reinava em toda a natureza e o silêncio do ermo era apenas perturbado pelo canto de umas pequenas cigarras e pelo barulho dos remos de que se serviam meus canoeiros. Solidões vastas assim têm qualquer coisa de importante e eu me sentia humilhado diante desta natureza tão possante e austera. Minha imaginação se assustava, quando eu pensava que as matas imensas que me cercavam se estendiam para o norte, muito além do rio Jequitinhonha, que elas ocupam toda a parte leste da província de Minas Gerais; que cobrem, sem qualquer interrupção, as do Espírito Santo, e do Rio de Janeiro, parte oeste da província de São Paulo, completamente a de Santa Catarina, o norte e o oeste da província do Rio Grande do Sul e que além das missões, irão, possivelmente, unir-se às do Paraguai setentrional".

Atualmente estima-se que restem entre 8 e 12% da Mata Atlântica original.
(originalmente postado no Facebook)

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Cristovam Buarque, pai da economia ecológica

"(...) para o Brasil eu acho melhor a substituição. No direito tem uma expressão in dubio pro societate [na dúvida, decida a favor da sociedade]. Por exemplo: se tem dúvida se um cara é ou não terrorista, prende."

A frase acima, dita por Cristovam Buarque, me lembra um causo que me dá arrepios até hoje.

Trabalhei nos últimos 5 ou 6 anos muito próximo da economia ecológica, vertente radical da economia que rompe com o tradicional looping infinito crédito+crescimento do PIB, e que tenta construir as bases de uma economia que se paute nos limites planetários e não insista em tentar contestar a segunda lei da termodinâmica, que é incontestável.

Em 2014 chegamos a organizar um seminário com os maiores nomes desta área na UFMG. Lá eu dividi umas heinekens com um dos pais da economia ecológica moderna, um sujeito impressionante em todos os aspectos, de didática única, apaixonado pelo Brasil e um excelente português: o americano Joshua Farley.

Durante uma meia hora o Farley me tirou dúvidas que eu carregava há anos e me fez duas revelações que eu nunca vou esquecer: a primeira, de quando namorou a prima de um cantor underground brasileiro e assistiu o início da carreira desse cara tocando em lugares bem acanhados da noite recifense. Seu nome era Chico Science.

A segunda revelação era ainda mais inesperada e se passou alguns anos antes.

Desiludido já no doutorado com a opção que fez em economia, o Farley pegou uma bolsa de intercâmbio pro Brasil em que teria que cumprir uma única condição da universidade: estudar qualquer coisa que não fosse economia neoclássica. Desembarcou na UnB por volta de 1990.

O reitor à época era Cristovam Buarque. Ao conhecer a situação do Joshua, Cristovam marcou uma reunião pra lhe apresentar as bases de um campo de estudo da economia que tinha acabado de conhecer e que lhe parecia promissor: era a economia ecológica.

Eu juro que o Farley me contou isso em pessoa: a primeira vez que ele, um dos maiores nome do mundo no campo da economia ecológica, ouviu falar no assunto, foi em uma conversa com Cristovam Buarque ocorrida quase 30 anos atrás.

Tudo isso pra tentar dizer que foi um impacto forte e que me deixou muito perturbado descobrir pela declaração acima que o Cristovam, o primeiro cara em quem eu votei pra presidente, é um velho gagá meio fascista com pouco apreço à constituição e com uma noção incrivelmente afetada de direitos humanos.

Esse cara que talvez nem saiba que provavelmente mudou o rumo da economia no mundo. Se há um golpe em curso, o cara que inspirou o atual maior economista ecológico de todos é um baita dum golpista.
(originalmente postado no Facebook)

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O triste fim do homem que preservava

Pensa no seu Bento, um senhor bem velhinho curtindo seus últimos 20 anos nessa encarnação, daqueles bem humildes, vida tranquila na roça desde que nasceu e sempre com uma xícara de café açucarado pro caso de visita. Nos fundos da casa, sua senhora cuida dos pés de cebolinha e tenta catar uma galinha pro almoço.

Agora imagina que esse senhorzinho mora num dos lugares mais incríveis do mundo, sei lá, num cerradinho do interior de Goiás. Nos fundos da casa dele existem espécies de plantas que foram extirpadas de todos os outros cantos do país pra dar lugar à soja que só alimenta os ônibus das capitais europeias. Dizem que é bom assim porque biodiesel é energia limpa. Mas tergiverso. Imagina que, como aquelas plantas do seu Bento, existem vários passarinhos, lobos guará, onças e tudo quanto é bicho que já não existe mais em cerrado nenhum. Aquele lugar é tão especial, tão incrível, que o casal de velhinhos não arreda pé e não deixa que ninguém faça nada que o maltrate. Criaram 7 filhos ali. É a sua casa desde sempre.

Em pleno século XXI, temos um raro pedaço de cerrado muito bem preservado, que o governo vai até transformar em Parque.

Em 10 anos, tudo muda. São 200 mil hectares de Parque ao redor do seu Bento, agora tudo protegido. Ninguém mais corta árvore, nenhum vizinho mais põe fogo pra fazer roça, aliás, vizinhos são coisa rara. Dá pro seu Bento andar umas boas 20 horas sem achar uma alma pra prosear. Também não pode mais construir, nem receber visitas que não sejam cadastradas no escritório do Parque lá na cidade, nem vender as coisas que ele planta. Ficou sabendo que em Parque não pode ter gente morando, muito menos produzindo como ele, porque isso acaba com a natureza. Já se foram 10 anos e o seu Bento tá num desanimo só, a revolta de perder tudo já até esfriou, ele já desistiu de lutar pela terra, já parou de cuidar do jardim, já se despediu da meia dúzia de gerações ancestrais que estão enterradas ali.

Ele já aceita o diacho da indenização do governo pra poder procurar um outro cantinho e lamber suas feridas.

Mas o governo anda meio quebrado.

Seu Bento tem que receber por 200 hectares de terra. O governo já deve indenização em 20 milhões de hectares. Segundo as últimas estimativas, no melhor cenário possível isso custaria pouco mais de 7 bilhões de reais, mas pode ser que sejam 21. Pouco mais da metade do preço da usina hidrelétrica de Belo Monte. Entre 2012 e 2014, segundo o Portal da Transparência, foram pagos 3 milhões. Um décimo da fiança do João Santana. Um milhão por ano.

Seu Bento tá na fila, esperando, sem saber bem o lugar que ocupa. O gestor gente boa deixa ele ficar lá enquanto o dinheiro não vem. Seu Bento torce pra não ser o último.

Se o governo brasileiro não criar mais nenhuma Unidade de Conservação – e ainda precisamos de pelo menos 616 mil km², umas 5 Inglaterras, sem contar as UCs marinhas, pra cumprir os acordos internacionais – o último da fila receberá a indenização que lhe cabe em meados do ano 9.114. Depois de Cristo. No cenário otimista.
_______
(Todos os dados apresentados são resultados do meu mestrado e estão sendo submetidos pra publicação.)

(texto originalmente postado no Facebook)

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

O Tapajós respira!

Me perguntaram ontem, pela milionésima vez, se eu chorei no dia em que me perdi na floresta amazônica de canoa - sem remo, sem GPS, sem rádio, sem repelente, sem lanterna, sem água, sem comida, sem Carol e com jacarés, durante metade de uma noite, numa história que contarei num momento oportuno. Minha resposta foi a de sempre: 'não chorei nem rezei, eu só choro em gol do Lucas Pratto'. E é verdade, pelo menos desde 2015.

Ontem mesmo o Pratto meteu um gol de videogame no São Paulo e botou o galo a 1 ponto da liderança. Não chorei. Ando meio insensível.

Aí cheguei em casa e fui ver as notícias do galo rumo ao título, mas me deparei com uma outra:

"IBAMA arquiva processo de licenciamento de usina no rio Tapajós."

Desliguei o celular.

Fui pro quarto.

Chorei que nem criança...
(texto originalmente postado no Facebook)

quarta-feira, 23 de março de 2016

Silvinha, o açaí e a educação das crianças

Em algum livro sobre o Instituto Mamirauá (IDSM), conta-se a história maravilhosa de um técnico em educação enviado às comunidades ribeirinhas que estava tendo muitas dificuldades em convencer os profissionais de educação locais que não deveriam ser utilizadas referências do Sul e Sudeste do Brasil em sala de aula. A nova proposta era substituí-los por elementos da cultura local, presentes no dia-a-dia das crianças.

Sozinho e pensativo em uma sala de aula, o técnico foi interrompido por uma criança que estava aprendendo a ler. O pequeno tinha uma dúvida. No quadro onde se colocavam imagens e seus respectivos nomes, o garoto apontou uma fruta redonda e roxa, ao lado da qual estava escrito 'uva', e disse:

- Professor, está errado, açaí não se escreve com u.

Na foto abaixo, o caso de amor de Silvinha e o açaí.

Silvinha e o açaí, na comunidade Sítio de São José
Foto: André Aroeira Pacheco

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A gestão de água no Brasil é estúpida

Chega a ser engraçado. Otoridades de água, incluindo o MMA, reunidos pra debater a falta futura de água no país que, acredita-se, tem 13% da água doce do planeta. Um trecho do que diz a "Ministra" de Dilma:

“(objetivo) é desenhar todas as alternativas necessárias para viabilizar a oferta de água no país em situações de estresse hídrico, inclusive dando critérios para priorização de investimentos e dialogando com o Plano Nacional de Saneamento Básico”. O texto continua (...) O objetivo desse estudo é definir as principais intervenções estruturantes e estratégicas de recursos hídricos para o Brasil, tais como construção de barragens, sistemas adutores, canais e eixos de integração. São consideradas infraestruturas necessárias para reduzir os riscos associados a eventos críticos, como secas e enchentes, além de garantir o abastecimento das populações nas cidades e no campo.

Quer dizer, a solução pra falta d'água é transpor rios, matar novos cursos d'água lóticos, construir canais, adutores?

Ninguém vai falar em reduzir desmatamento pra aumentar a infiltração, produção de água e melhoria de qualidade?

Ninguém vai falar em cumprir a legislação ambiental e recompor APPs em margens de rios pra protegê-los de escoamento superficial de poluentes, assoreamento, exposição à luz e calor...?

Ninguém vai falar em aumentar a permeabilidade das áreas urbanas que em São Paulo não chega a 20% do Município?

Ninguém consegue pensar em estratégias pra incentivar as pessoas a captarem água da chuva e instalarem sistemas de reaproveitamento da água em suas residências, guardando água pra épocas mais difíceis e diminuindo o impacto das enxurradas nas épocas fáceis?

Ninguém vai dar a sugestão de pararmos de matar os cursos d'água de todos os tamanhos com o pacote barragens de energia elétrica + barragens de abastecimento + mineração em áreas de nascente + ausência de saneamento básico + poluição difusa por agrotóxicos e fertilizantes no agronegócio + desperdício? O São Francisco já morreu por causa disso e ninguém move uma palha! O Alckmin acabou com a água de São Paulo, uma cidade instalada em uma grande várzea, que inunda de tanta água em todo verão e é cortada por dois rios gigantescos que só servem pra feder e 'atrapalhar o trânsito', e a primeira coisa que pensou como solução era? TRANSPOR-O-PARAÍBA-DO-SUL!!! (quase morto também)

A solução que esses caras pensam é sempre mais água, mais obra, mais água, mais obra, as pessoas no Brasil dão descarga com água tratada! Uma única vez, deu a descarga e manda direto pra Pampulha. Os cursos hídricos que passam dentro da cidade são estrangulados, canalizados e enterrados sob avenidas (imitando o resto do mundo da década de 60, países que hoje já começaram a desfazer essas idiotices) e nós temos que enfrentar enxurrada no verão e racionamento no inverno.

Não é possível que não possa existir vida inteligente na política e gestão pública brasileiras, criatividade, inovação, menos cimento e mais ideias.

Os cargos de quem deveria liderar, estimular a pensar e inovar são ocupados por dinossauros amigos de políticos, normalmente engenheiros velhos ou advogados conservadores cuja preguiça e pragmatismo se sobrepõem a qualquer sopro de criatividade. Imagina esses caras gerindo a água no Oriente Médio.. E a gente tem que aguentar cada dia uma merda diferente.

domingo, 7 de setembro de 2014

Eduardo Gianetti, Marina Silva e o Pagamento por Serviços Ambientais

Eu estudo (e trabalho com, no mestrado) políticas de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) há uns 5 anos, e acompanho bem de perto a Marina Silva há uns 6 anos. E nunca tinha visto em discussões políticas importantes a pauta dos PSAs e internalização de problemas ambientais nas transações econômicas. Nem da Marina, nem de ninguém.

Por isso fiquei positivamente surpreso (pra variar né Marina?) e quase empolgado com a excelente entrevista de Renato Janine Ribeiro que cita como Marina Silva e Eduardo Giannetti estão discutindo essas questões. Explica de forma simples como esses mecanismos são promissores. Trecho que merece destaque:

"O Eduardo Gianetti defende gastar menos com lazer contraprodutivo, gastar menos na Europa, por exemplo, e ir mais a eventos culturais no Brasil, na sua cidade. A proposta da Marina é muito intensa, de mudar o mercado de capital.

P- O sr. poderia dar um exemplo de cobrança ambiental ou social?

Um voo de avião gera certa quantidade de carbono. O custo da passagem talvez não seja 300 reais, talvez seja 700. Nossa economia é expert em terceirizar o prejuízo. Você anda de avião e não paga o consumo de carbono, não paga as doenças, a mudança climática. A ideia do Gianetti é pegar esses fatores e fazer alguém pagar por isso. Isso é muito diferente do mercado tradicional. Não deixar crescer espetando a ponta no outro. Não é fácil fazer isso. Uma coisa que está sendo feita em alguns lugares é cobrar pelo uso da água. Numa parte do Brasil você paga o tratamento da água, mas não a água – você não sabe quanto a água vale. A água é um recurso escasso, finito, não pode ser gasto assim. Várias tentativas da Rede são de tentar domesticar e civilizar o mercado. Não é o mercado que os tucanos entendem.

P- E se esses produtos ficarem com um preço proibitivo?

É possível, pois isso está sendo pago por outras pessoas. Os prejuízos são pagos por meio das mortes e doenças das pessoas, da dor das famílias. Por que esse custo não pode ser colocado no produtor? Se ficar improdutivo, deixam de produzir. Se você bebe Coca-Cola, pega a garrafa e joga no córrego, vai entupir. Você tem de pagar por isso, pois poderia pegar e jogar no lixo reciclável. Outro caso é o do cigarro. Isso eu acho fascinante. Muda a estrutura, torna a estrutura mais saudável, no limite resolve casos de produtos ruins. O McDonalds teria de pagar uma fortuna.

P- E os bens necessários para a sociedade moderna, como os eletrônicos (televisões, rádios, celulares, computadores)? Sabemos que a matéria-prima de certos componentes dos eletrônicos, por exemplo, são extraídas por mineiros em condições degradantes, sem direitos trabalhistas e colocando sua saúde em risco.

A prioridade é: esses mineiros não podem se lascar. Se houver danos de saúde, se aposentam mais cedo. O custo vai pro produto. Podemos estabelecer que determinado nível é isento, subsidiado, como um carro 1.0, ou um rádio simples. Poderíamos fazer a mesma coisa com o computador. Se eu acho essencial para uma sociedade ter acesso universal à internet e ao computador, isso é um bem publico. Então, é dever do Estado oferecer isso a baixo custo – não de graça, mas barato. Precisam ser coisas definidas claramente, transparentes e visíveis pra todos."

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Primeiro registro fotográfico do jacu-estalo da mata atlântica

É com muita satisfação que finalmente apresento-lhes a primeira foto que se conhece, feita por um ser humano (além de uma foto terrível de camera trap), da subespécie da Mata Atlântica do jacu estalo, o Neomorphus geoffroyi dulcis.

Se esse bicho já é raro na amazônia brasileira, imagina na Mata Atlântica, onde se conhece menos de meia dúzia de avistamentos nas últimas 2 ou 3 décadas. Certamente é um ponto alto e um dia inesquecível na vida de qualquer ornitólogo/observador de aves. O bicho simplesmente pulou na minha frente e do amigo Daniel Teixeira no meio da trilha no Parque Estadual do Rio Doce.

Mais detalhes do registro e informações sobre a espécie foram publicados na edição de setembro da Brazilian Journal of Ornithology.

Registro em melhor qualidade: http://www.wikiaves.com.br/1488623

Primeira fotografia feita por uma pessoa do Neomorphus geoffroyi dulcis, o jacu estalo da Mata Atlântica.
Foto: André Aroeira Pacheco

domingo, 15 de dezembro de 2013

Plante comida, não gramados


Já faz algum tempo que a página Grow food, not lawns vem sendo a minha favorita no Facebook. Um misto de paz, otimismo e boas intenções em um mar de caos, futilidades e ostentação que caracteriza a rede social, talvez o preço que temos de pagar para ter acesso a ferramentas importantes de descentralização de informação e aprendizado (pra quem quer...). Mas a imagem que eu vi numa quarta-feira dessas pra trás foi um tanto impressionante, mesmo para o alto nível de conteúdo da página, que se baseia em uma proposição simples ao seu público de 500.000 curtidores de todo o mundo: plante comida, não gramados.

Vista aérea de loteamento em Genebra, Suíça (46°12’N, 6°09’E).
Foto de Yan Arthus-Bertrand. Fonte: http://migre.me/dZY9w

A primeira reação ao ver esta imagem é simples de descrever: P.Q.P., é assim que tinha que ser!!!”.

Vamos esquecer que estamos falando da Suíça, imaginar que esse exemplo é perfeitamente replicável em qualquer lugar do Brasil e tentar responder uma pergunta simples: quais as vantagens de se ter uma cidade ou bairro planejados desta forma?

Em primeiro lugar, como o próprio nome implica, a agricultura urbana traz um benefício explícito, a produção local e descentralizada de alimentos. Isto significa dizer que as pessoas plantam sua própria comida, ou boa parte dela, e não têm muitos problemas para sobreviver ainda que estejam em épocas de crise (ou até desempregados). Com toda certeza, podemos dizer também que a qualidade nutricional destes alimentos será sensivelmente melhor, pelo simples fato de que quem planta o que vai comer o faz da melhor maneira possível, o que ninguém pode garantir quando a produção é feita por terceiros.  Este terceiro pode estar cuspindo, urinando ou pior - e mais comum - envenenando sua comida na tentativa de não perder uma única folha da safra e maximizar o lucro. Ainda assim, na agricultura urbana, você tem a opção de terceirizar essa produção: já pensou no lado mais romântico de dar essa responsabilidade para seu(s) filho(s), desenvolvendo nele(s) de forma definitiva um senso de responsabilidade e respeito à natureza? É certamente benéfico - e divertido - para uma criança, fugir da televisão, da internet e do videogame e conhecer o mundo real, ser responsável pelo jantar da semana que vem, ver seu trabalho dando frutos, entender de fato de onde vem a comida, criar uma conexão com o meio natural ao qual pertence (talvez os pais também estejam precisando dessas lições). Ainda, comer coisas realmente saudáveis, plantar e colher flores, árvores, resgatar as sementes, plantar tudo de novo no mês que vem.. Este trabalho terapêutico de poucas horas diárias pode envolver muito mais, um idoso, os vizinhos, uma ‘gangue’ de crianças da rua e do bairro, algumas crianças com necessidades especiais, um autista. E ainda vai economizar uma grana pra família.

Pensando em uma escala maior, os benefícios da agricultura urbana também podem ser maiores. Em um País como o Brasil, que manda diariamente para lixões ou aterros, comida suficiente para alimentar 20 milhões de pessoas com as três refeições, uma simples composteira poderia resolver o problema da disposição final do desperdício. Os resíduos orgânicos gerados no preparo ou no desperdício em casa seriam mandados de volta para o ‘jardim’ e, reciclados, alimentariam as próximas ‘safras’, economizando no transporte de comida para os aterros e lixões, na superlotação precoce destes e na decomposição de matéria orgânica em ambiente anóxico, que gera gases de efeito estufa muito piores que o CO2. Advém ainda deste cenário a possibilidade de que quem se preocupa com resíduos orgânicos talvez se preocupe com resíduos recicláveis por uma simples mudança de mentalidade, dando um fim (ou um novo início) adequado este tipo de material (na página GFNL são ensinadas milhares de maneiras de se reaproveitar estes materiais na própria horta, vale dar uma olhada). O alívio na cadeia de resíduos da cidade e consequentemente no meio ambiente podem ser extraordinários.

Dando um passo além e pensando ainda em maior escala (ou menor, como preferem os geógrafos, já que o denominador da fração é quem aumenta), a agricultura urbana representa também um incremento de justiça social e econômica. Com a reforma agrária inacreditavelmente empacada em países como o Brasil há décadas, essa atividade pode se transformar em fonte alternativa de renda e levar à descentralização da produção de alimentos, que tem causado genocídio (inclusive cultural), concentração de renda, destruição ambiental e êxodo rural, aliados ao aumento do trabalho escravo, característicos da agricultura industrial (o agronegócio). Ainda, as menores distâncias entre produtores, agora na cidade, e consumidores, fortalecem os mercados locais, contribuindo também para a distribuição de renda e diminuindo a necessidade de transporte, notável poluidor e responsável por perdas substanciais da produção. No mundo todo são crescentes as iniciativas de criação de hortas comunitárias no lugar de praças abandonadas (ou praças de esportes etc) em comunidades pobres, e as vantagens nutricionais, ambientais e socioeconômicas desses modelos têm dado ótimos retornos.

Mais uma olhada na foto aérea e outras vantagens emergem, desta vez relativas ao planejamento do uso e ocupação do solo. É praticamente inimaginável que uma chuva forte neste contexto resultará nas tragédias previsíveis enchentes que vemos em todos os grandes e médios municípios brasileiros; em primeiro lugar, o percentual de impermeabilização não deve chegar a 30%, permitindo a infiltração e o acúmulo da água no solo, minimizando os escoamentos superficiais; em segundo lugar, é bastante provável que cada agricultor urbano capte e armazene a água das chuvas que chega à sua casa, pois tem consciência de seu valor; e ainda, a diminuição do lixo e da carga de sedimentos arrastados com os escoamentos aumentaria a eficiência do sistema de drenagem do município. Na realidade brasileira, podemos citar o exemplo da impermeabilização da Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana da Cidade de São Paulo (Figura abaixo), onde os percentuais de impermeabilização chegam a 84%, tornando inevitáveis as enchentes que assolam a região metropolitana da cidade. As soluções megalomaníacas mágicas emergenciais (e caras!) propostas variam entre a criação de crateras gigantes de armazenamento da água (!!!) e desassoreamento do Tietê (leia-se aumento da calha) pra tentar compensar a imbecilidade e o desleixo na organização espacial da cidade, enquanto o problema real continua sendo ignorado.

Tragédia anunciada: distribuição espacial da percentagem de área impermeável dos distritos da zona urbana de São Paulo no começo da década de 2000. Fonte: http://migre.me/dZVlN

Pensando ainda neste contexto, é possível visualizar corredores ecológicos sendo formados nesta configuração de planejamento urbano, especialmente se mantidas APPs e Reservas urbanas (um Parque, por exemplo). Neste sentido, uma matriz intransponível no modelo atual brasileiro pode se transformar em local mais propício ao estabelecimento e deslocamento de espécies animais e vegetais, melhorando fluxos gênicos e a conectividade entre populações, que de outra forma estariam isoladas e mais vulneráveis.

Esta nova configuração resultaria em aumento da qualidade ambiental e de vida, tornando as cidades menos cinza, mais harmoniosas e mais vivas. A educação ambiental propiciada pelo contato com a terra, o cuidado com o lixo e a convivência com as áreas verdes, aliada à responsabilidade socioambiental na produção local de comida, elevariam o senso de responsabilidade e solidariedade das pessoas. A menor necessidade de dinheiro, o maior (e melhor) contato com os filhos e vizinhos, a existência de vida fora de casa e o real aproveitamento do tempo livre (que talvez aumente) também contribuiriam para o aumento da felicidade das pessoas. Tudo isto em um contexto mais saudável, mais limpo e mais sustentável.

Talvez demoremos a atingir este ponto, mas o primeiro passo pode ser dado por qualquer um, em qualquer lugar. Este texto é meu primeiro passo, o próximo quem sabe será um quintal como o da foto abaixo, onde todos possam ajudar e/ou pegar os alimentos que quiserem. Seja você também mais solidário, mais humano, mais vizinho, mais amigo, mais pai, mais filho, mais feliz. Grow food, not lawns.




quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Os benefícios do crescimento da observação de aves no Brasil

A observação de aves é uma atividade relacionada ao turismo ecológico que está longe de ser uma novidade no mundo, mas tem ganhado um impulso muito grande no Brasil nos últimos anos. Conhecida pelos vocábulos birding ou birdwatching nos Estados Unidos e na Europa, onde tem grande força e movimenta bilhões de dólares anuais, se caracteriza por uma intensa conexão do birder com o ambiente natural e está cada vez mais fácil de se praticar. Neste contexto, o Brasil pode se considerar privilegiado enquanto local para o contato com estas criaturas aladas, que chegam a quase duas mil espécies por aqui, número que nos coloca como segundo mais diverso do mundo, atrás apenas da Colômbia. Não é por acaso que birders de todo canto vêm ao país todos os anos para observar algumas das aves mais incríveis do planeta, em busca de cores espetaculares, seus belos cantos e sua diversidade.

Atualmente, quase toda grande cidade brasileira conta com um ou mais grupos de observadores, que se organizam em passeios, encontros e viagens em busca de observar, fotografar, escutar e gravar estes animais. O desenvolvimento tecnológico mudou pra melhor a vida destas pessoas nos últimos vinte anos, permitindo a adesão de passarinheiros de todas as idades. Os registros e os encontros com as espécies se tornaram muito menos trabalhosos pelo surgimento e o contínuo aperfeiçoamento de câmeras e gravadores digitais; a expansão das redes de observadores, com a criação de grupos nacionais e regionais que compartilham informações, registros e novidades do mundo das aves em redes sociais, grupos de email e sites específicos; o desenvolvimento de novas tecnologias para a modernização de lunetas e binóculos; e a revolução proporcionada pelo playback, técnica que consiste em reproduzir a vocalização da ave de interesse de forma a estimular um canto-resposta ou mesmo atrair a ave para perto do observador, facilitando a visualização e permitindo melhores fotografias e gravações. Não é preciso dizer o quanto era difícil carregar pelo mato uma coleção de gravações próprias em fitas cassete e um toca fita movido por uma dúzia de pilhas, aguardando o momento certo de procurar uma ave específica na bagagem. Quem se aventura com o playback hoje consegue baixar diversos tipos de vocalização de milhares de aves do mundo gratuitamente na internet, colocar em um celular ou mp3 e reproduzir em caixas de som portáteis movidas a pilhas que duram uma eternidade.

Acompanhando a revolução das redes sociais, outro pilar principal da explosão do birdwatching de fim de semana no Brasil nos últimos cinco anos é o site Wikiaves, a Enciclopédia das Aves do Brasil, ponto de encontro de obervadores do mundo inteiro. Neste site, usuários compartilham registros auditivos e fotográficos realizados em território brasileiro ou estrangeiro de qualquer uma das 1.832 aves de ocorrência reconhecida no Brasil pelo CBRO (Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos). Cada espécie ganha sua própria página com informações biológicas (reprodução, características, ocorrência, hábito, alimentação) e um mapa de ocorrência construído pelos próprios usuários ao compartilhar suas fotos e sons. Da mesma forma, cada usuário cria o seu perfil para publicação de seus registros, que ao serem aprovados geram um compilado de informações para si (número e lista de espécies registradas, locais visitados, dentre outros) e para os municípios, estados e Unidades de Conservação brasileiros (número de espécies, lista de espécies, lista de usuários e visitantes, dentre outros). Mapas interativos, fórum de discussões e ferramentas completas de busca permitem encontrar praticamente qualquer tipo de informação que o usuário necessitar. Vai viajar amanhã pro Pantanal ou pra Amazônia? Entre no site e veja a relação de espécies do seu destino, em quais Municípios cada espécie ocorre ou pode ocorrer, o tipo de hábitat e a melhor época do ano para encontrá-las, gravações para playback disponíveis para download, guias e usuários experientes da região que podem te mostrar os melhores locais de observação.

O ponto mais interessante no crescimento desta atividade é a série de benefícios às pessoas e à conservação das aves e do meio ambiente no Brasil. A começar pelo seu caráter democrático, que permite a prática por pessoas de todas as idades e diferentes trajetórias de vida, levando à formação de novas amizades, parcerias e o intercâmbio de experiências em assuntos diversos. A educação ambiental também é um dos importantes ganhos pessoais e coletivos experimentados pelos usuários, que estabelecem conexões muitas vezes nunca experimentadas com o meio ambiente através das aves e de seus diferentes hábitats. Este primeiro passo frequentemente leva à tomada de consciência em outros temas e conceitos importantes na conservação da biodiversidade muitas vezes negligenciados pelo grande público, como destruição e fragmentação de hábitats, tráfico de animais silvestres, extinções locais de espécies, qualidade ambiental e importância de políticas públicas voltadas à conservação. Assim, pessoas que começam a se preocupar com a ocorrência desta e daquela espécie em sua própria cidade se tornam gradativamente mais sensíveis a abraçar a causa ambiental no seu dia-a-dia, como o acompanhamento das políticas de meio ambiente de sua região, a escolha dos ingredientes do almoço e a preocupação com a destinação adequada de seu lixo.

Curiosamente, a ciência também tem se beneficiado do caráter democrático do birdwatching, que frequentemente gera registros documentados de extrema relevância para o conhecimento e a conservação de aves brasileiras em novos comportamentos, novas características, novas áreas de ocorrência de aves e até de novas espécies para o Brasil. Um exemplo bastante interessantes é o registro do combatente (Philomachus pugnax) em Belo Horizonte, espécie de maçarico jamais registrada em território brasileiro e surpreendentemente clicado pelo observador Daniel Dias na Lagoa da Pampulha em 2013.

Inúmeros outros benefícios desta prática podem ainda ser experimentados e proporcionadas por passarinheiros no Brasil, como o incentivo à atividades físicas, já que a observação pode ser associada a esforço físico por seus praticantes em caminhadas, trilhas, viagens e outras aventuras; a criação de novos destinos e roteiros de turismo sustentável no país, que movimentam a economia dos locais de destino, favorecem a preservação de áreas naturais e geram emprego e renda pela demanda de serviços especializados de guias, hospedagem, viagem e alimentação; formação de vínculos pessoais afetivos, de amizade e de contatos profissionais; aumento do interesse por conhecer a própria cidade pela busca constante de novos e diferentes locais de observação, contribuindo direta e indiretamente para a formatação de políticas públicas.

Por tudo isso, a prática da observação de aves, quando realizadas de maneira correta e ética – como por exemplo, não abusar de playbacks, saber utilizar o flash nas fotografias e se portar adequadamente diante de ninhos e filhotes – é benéfica para seus praticantes, para a sociedade e até para a ciência. Qualquer pessoa interessada pode começar já, procurando um grupo de observadores de aves na sua região e em redes sociais, ou simplesmente se aventurar por aí ouvindo, observando, fotografando e gravando estes seres extraordinários. Aqui vão alguns links que podem ajudar nestas tarefas, e boas passarinhadas para todos nós!

Links úteis:
Wikiaves – encontre as espécies e usuários de sua cidade e sua região, consiga auxlio na identificação de seus registros, veja informações variadas sobre cada uma das espécies brasileiras, fórum de discussões de todos os temas relacionados e muito mais.
Código de ética da observação de aves:  - tradução e adaptação do The American Birding Association's Code of Birding Ethics.

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Originalmente postado no Autossustentável: http://www.autossustentavel.com/2013/12/beneficios-observacao-aves-brasil-birdwatching.html

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Economia ecológica

"(...) O mundo mudou dramaticamente. Nós vivemos agora em um mundo relativamente cheio de humanos e sua infraestrutura de capital construída. Neste novo contexto, nós temos que primeiro lembrar que o objetivo da economia é de prover de maneira sustentável o bem estar humano e a qualidade de vida. Nós temos que nos lembrar que o consumo material e o PIB são meramente meios para este fim, e não o fim por si mesmos. Nós temos que reconhecer, como a sabedoria antiga e novas pesquisas da psicologia nos contam, que o consumo material além da real necessidade pode na verdade reduzir o bem-estar. Nós temos que entender o que realmente contribui para um bem-estar humano sustentável, e reconhecer as contribuições substanciais do capital natural e social, que hoje já são os fatores limitantes em muitos países. Nós temos que ser capazes de distinguir entre a real pobreza em termos de baixa qualidade de vida e a mera baixa renda. Por fim, nós temos que criar um novo modelo de economia e desenvolvimento que reconhece esse novo contexto e visão de mundo."

ROBERT COSTANZA. Toward a new sustainable economy. Real-World Economics Review, nº. 49, pp. 20-21, 2009. Disponível em: http://www.paecon.net/PAEReview/issue49/Costanza49.pdf.

terça-feira, 12 de março de 2013

A rebrota de Bola Pra Mata!

Após algum lack de tempo para me dedicar a postagens, este blog se reinaugura em 2013 com força total. E não, não é porque o ano só começa depois do carnaval...

Esses últimos meses foram bem corridos e dedicados à monografia para conclusão de curso e concurso de mestrado, aliado a 30h/semanais de estágio, um namoro e a novela da contratação de Diego Tardelli pelo Galo, que me tomou excepcional quantidade de energia.

Felizmente o Tardelli veio, minha monografia foi aprovada com um honroso 98 (extrapolei em 4 minutos o tempo máximo permitido para poder explicar uma curva de demanda a uma plateia de biólogos...), meu namoro já bateu um ano e eu passei no concurso de mestrado de uma das mais importantes universidades da América Latina. Agora é reviver o projeto do blog cuja experiência me rendeu bons frutos no último semestre.

Nas próximas semanas falarei sobre a valoração de serviços recreativos no PNSC (monografia), que somam significativos 50 milhões de reais por ano; sobre a impressão de minha visita ao Parque Estadual do Rio Doce, seus pontos positivos e negativos; sobre minha recente imersão no mundo do birdwatching; sobre as novas e crescentes ameaças prometidas pelos Senadores e Deputados à sobrevivência de toda e qualquer forma de vida do País e do continente que não lhes dê dinheiro para campanha eleitoral; sobre o novo, e (FINALMENTE!) realmente novo partido que irá surgir no País ainda este ano pela iniciativa fantástica de um grupo de milhares de pessoas bem intencionadas - Rede Sustentabilidade; e sobre o Galo de Ronaldinho Gaúcho, que vem estarrecendo a América.

Aguardo vocês por aqui nas próximas semanas,
Um abraço.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A minha relação com Veja

Se tem uma sensação que não deve ser muito agradável, de acordo com o que tenho (tinha) visto na TV, é aqueeela sensação de inchaço. Aquela sensação que de tão desagradável leva a amiga - que encontra a outra no supermercado, após de um longo período de relacionamento remoto - a perguntar de cara: amigaa, como vai esse intestino?! Eu sou particularmente abençoado com o tal reloginho no lugar do intestino e nunca tive que ouvir essa pergunta - até porque o time do Galo caindo pelas tabelas é a primeira coisa que as pessoas pareciam ver na minha cara ao longo de toda a minha adolescência – mas desconfio que essa bênção é muito menos divina – ou genética – do que ela parece ser.

Desta vez eu vou aceitar a sugestão.
Voltando um pouquinho no tempo até mais ou menos onde vai a consciência sobre a confiabilidade do meu sistema digestivo, me vem a lembrança da época exata em que comecei a ler a revista Veja, lá pro final do ensino fundamental:

- Assine uma revista e estude atualidades ou então vai tomar pau no vestibular! – profetizaram meus professores. Em seguida o pessoal lá de casa, na melhor das intenções, tratou de assinar a revista "mais vendida", como se fosse prova irrestrita de qualidade. Alguns anos mais tarde eu passaria no vestibular com uma boa nota na redação e provavelmente com uma contribuição pífia de Veja. Mais provável ainda é que, tendo levado um pouquinho mais a sério a “revista”, eu teria desistido de tentar o curso mais bonito que a humanidade foi capaz de inventar, o estudo da vida.

Mas não vou negar que Veja teve um papel importante na minha formação. Depois de desenvolver um pouquinho mais o senso crítico e assistir alguns dos mais experientes e competentes cientistas do País (às vezes do mundo) dentro da sua sala de aula, você começa a entender o motivo de eles, tendo formulado a prova do vestibular – isso ainda existia! – não terem dado muita bola pros assuntos tratados na revista.  Posso dizer que depois de ter contato íntimo com artigos científicos de revistas de referência mundial escritos pelas maiores cabeças do planeta ao longo da história, você começa a entender o porque de aqueles graficozinhos parecerem estar torturando as estatísticas pra te convencer que o MST é "contra o interesse da nação". Talvez possa afirmar ainda que o meu trauma com a superficialidade das mais diversas reportagens, resumidas ao máximo pra caber no esqueminha de páginas "propaganda de banco e carro sim, propaganda não" tenham tornado minha escrita detalhada e às vezes prolixa – mas o menos vazia que eu puder tentar. O fato é que o mau exemplo de Veja, se tomado com moderação, pode desenvolver muito mais o senso crítico do que você é capaz de imaginar.

Neste contexto, ao longo da minha graduação, a relação de quase gratidão e de desprezo se aprofundaram bastante. Quase gratidão pela perseguição implacável, às vezes imoral com o (des)governo Lula e PT, ainda que pelas vias tortas. Não que eu seja conivente com a imoralidade, muito pelo contrário; ainda que o Lula mereça, imoralidade não combina com justiça. Mas um governo que trata levianamente a corrupção e o bem comum com uma política de compra indireta de votos em programas mitigatórios e de vida curta precisa de uma oposição dura e ativa, e talvez a Veja represente esse papel. Por outro lado, à exceção da fantástica Isabela Boscov, não há nada mais a ser aproveitado na redação, nas pautas, na linha editorial e nos recursos humanos da revista: logo, nesta época de desastres ambientais, meu desprezo supera, de longe, a minha gratidão.

Podemos tomar como exemplo a discussão do Código Florestal: a revista lançou mão de seu desinteresse com o jornalismo sério e publicou uma reportagem entitulada "Preserve-se o bom senso", onde acusou, de uma tacada só, ambientalistas, ONGs, estudantes e os maiores especialistas do País em meio ambiente, agricultura e ordenamento do uso do solo, de "ecoxiitas" contra o Progresso do Brasil. Atacou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, cujos cientistas assinaram um documento de mais de 200 páginas baseado em séculos de pesquisa e décadas de experiência explicando tintim por tintim porque a revisão da legislação, como proposta, representava uma catástrofe. Atacou mais de 500 insituições da sociedade civil que, juntamente com 1,5 milhão de brasileiros, repudiaram um código florestal feito por parlamentares, muitos deles corruptos, outros tantos semi-analfabetos, mais um bucado com o rabo preso e todos legislando sobre um assunto que desconhecem profundamente.

Greenwashing clássico: criança, negro e alusão à defesa do meio ambiente. 
"Indispensável para a revista que queremos fingir ser". (site Almapbbdo)
Se alguém aí tem estômago forte pode procurar a opinião do super time de especialistas em agricultura sustentável da revista – o que inclui a miss desmatamento, senadora Kátia Abreu, o doente mental cientista político Reinaldo Azevedo (argumentação impagável) e ainda – concluí aos 15 anos – algumas dúzias de pseudojornalistas (e pseudocríticos) que se sujeitam a um jornalismo de quinta provavelmente desesperados por alguma estabilidade em uma carreira para a qual não têm muito talento: aquiaquiaquiaquiaqui...

Poderíamos ainda perder algum tempo argumentando sobre os artigos de conteúdo preconceituoso contra homossexuaisíndios, outros índios e mais índios; em favor de agrotóxicos "pelo bem da sociedade brasileira" [te lembra alguma coisa?]; criminalização de movimentos campesinos nacionais; e milhares de outras que semanalmente se empenham em uma lavagem cerebral sobre seus desafortunados leitores de classe média que provavelmente trabalham 44h/semanais e têm pouco tempo de exercitar o senso crítico – quando não o creem estar fazendo ao ler “a maior revista do País”. Ou poderíamos completar o raciocínio falando da postura direitista cega e conservadora da revista que se presta a fazer oposição por fazer, como no congresso: tudo que o governo faz está errado e tudo que soa razoavelmente socioambiental é lulista é “esquerdista” (consideração: creio ser mais fácil a Kátia Abreu comer da soja transgênica que os escravos do seu irmão ela planta do que o Lula ter alguma – qualquer uma – inclinção ambiental). Contraditoriamente, se a situação aprova os projetos do governo apenas porque é da situação – o que de fato é um disparate - é um escândalo.

A postura hipócrita e mal intencionada da revista me lembra o senador (tucano) da República por São Paulo Aloysio Nunes, durante a discussão do Código Florestal, quando revoltado com o fato de ambientalistas estarem gritando impropérios contra os senadores nas galerias do Congresso Nacional, saiu pelas galerias do Congresso Nacional gritando impropérios contra os ambientalistas. Aloysio, por ser oposição, provavelmente receberia o respaldo da revista (não encontrei menção ao fato no site de Veja). Posteriormente, por email, seu chefe de gabinete utilizou Winston Churchill para justificar-se comigo sobre o porque de o senador chamar os manifestantes de “seus merdas”: “(...) A democracia é o pior regime, exceto todos os outros. (...) Continue vigiando e nos ajudando a fazer o mandato do Senador Aloysio Nunes Ferreira cada vez mais alinhado com os eleitores de São Paulo”.

Ser ou não ser? (site Almapbbdo)
Chegando aos finalmentes, cito Mariana Alves Campos, que fez um estudo da evolução da temática ambiental na pauta da revista, e diz que a abordagem do passado era diferente. Se atualmente as reportagens são baseadas em uma suposta “análise equilibrada” restrita aos temas da moda nas relações entre economia e do meio ambiente – Rio+20, Código Florestal, Efeito Estufa, Matriz Energética, Lixo etc  – nas décadas passadas a postura era abertamente antiambiental em reportagens bastante raras. Se isso era pior do que a mentira e a desinformação que hoje são praxe, eu duvido; é melhor um inimigo que um amigo traíra. Mariana sugere sutilmente que a revista mude sua linha de análise ambiental de "modismos (temas como Rio-92 e desenvolvimento sustentável, na década de 90, e mudanças climáticas, em 2007) e/ou da valorização do caótico (notícias sensacionalistas, impactantes" para um jornalismo de mais valor, que seria "noticiar o que é considerado relevante social e coletivamente".

Não conheço Mariana Alves, mas já a admiro por seu otimismo.

Creio que posso poupar os leitores dos detalhes mais específicos da minha relação com Veja e os motivos que me levaram a finalmente substituir a leitura da revista que, para qualquer emergência, continuará sempre ao alcance da mão desde o vaso sanitário. Mesmo aqueles que têm uma dieta saudável e um intestino bem regulado, de vez em quando precisam de um empurrãozinho. E pra esses momentos - até o dia em que eu voltar às fraldas e não importar mais o fato de ter o reloginho programado pra cada 24 horas - a Veja continuará sendo, como sempre foi, indispensável.

ps. a não ser, veja bem, que o churrasco do dia anterior tenha sido regado a Itaipava...