domingo, 15 de dezembro de 2013

Plante comida, não gramados


Já faz algum tempo que a página Grow food, not lawns vem sendo a minha favorita no Facebook. Um misto de paz, otimismo e boas intenções em um mar de caos, futilidades e ostentação que caracteriza a rede social, talvez o preço que temos de pagar para ter acesso a ferramentas importantes de descentralização de informação e aprendizado (pra quem quer...). Mas a imagem que eu vi numa quarta-feira dessas pra trás foi um tanto impressionante, mesmo para o alto nível de conteúdo da página, que se baseia em uma proposição simples ao seu público de 500.000 curtidores de todo o mundo: plante comida, não gramados.

Vista aérea de loteamento em Genebra, Suíça (46°12’N, 6°09’E).
Foto de Yan Arthus-Bertrand. Fonte: http://migre.me/dZY9w

A primeira reação ao ver esta imagem é simples de descrever: P.Q.P., é assim que tinha que ser!!!”.

Vamos esquecer que estamos falando da Suíça, imaginar que esse exemplo é perfeitamente replicável em qualquer lugar do Brasil e tentar responder uma pergunta simples: quais as vantagens de se ter uma cidade ou bairro planejados desta forma?

Em primeiro lugar, como o próprio nome implica, a agricultura urbana traz um benefício explícito, a produção local e descentralizada de alimentos. Isto significa dizer que as pessoas plantam sua própria comida, ou boa parte dela, e não têm muitos problemas para sobreviver ainda que estejam em épocas de crise (ou até desempregados). Com toda certeza, podemos dizer também que a qualidade nutricional destes alimentos será sensivelmente melhor, pelo simples fato de que quem planta o que vai comer o faz da melhor maneira possível, o que ninguém pode garantir quando a produção é feita por terceiros.  Este terceiro pode estar cuspindo, urinando ou pior - e mais comum - envenenando sua comida na tentativa de não perder uma única folha da safra e maximizar o lucro. Ainda assim, na agricultura urbana, você tem a opção de terceirizar essa produção: já pensou no lado mais romântico de dar essa responsabilidade para seu(s) filho(s), desenvolvendo nele(s) de forma definitiva um senso de responsabilidade e respeito à natureza? É certamente benéfico - e divertido - para uma criança, fugir da televisão, da internet e do videogame e conhecer o mundo real, ser responsável pelo jantar da semana que vem, ver seu trabalho dando frutos, entender de fato de onde vem a comida, criar uma conexão com o meio natural ao qual pertence (talvez os pais também estejam precisando dessas lições). Ainda, comer coisas realmente saudáveis, plantar e colher flores, árvores, resgatar as sementes, plantar tudo de novo no mês que vem.. Este trabalho terapêutico de poucas horas diárias pode envolver muito mais, um idoso, os vizinhos, uma ‘gangue’ de crianças da rua e do bairro, algumas crianças com necessidades especiais, um autista. E ainda vai economizar uma grana pra família.

Pensando em uma escala maior, os benefícios da agricultura urbana também podem ser maiores. Em um País como o Brasil, que manda diariamente para lixões ou aterros, comida suficiente para alimentar 20 milhões de pessoas com as três refeições, uma simples composteira poderia resolver o problema da disposição final do desperdício. Os resíduos orgânicos gerados no preparo ou no desperdício em casa seriam mandados de volta para o ‘jardim’ e, reciclados, alimentariam as próximas ‘safras’, economizando no transporte de comida para os aterros e lixões, na superlotação precoce destes e na decomposição de matéria orgânica em ambiente anóxico, que gera gases de efeito estufa muito piores que o CO2. Advém ainda deste cenário a possibilidade de que quem se preocupa com resíduos orgânicos talvez se preocupe com resíduos recicláveis por uma simples mudança de mentalidade, dando um fim (ou um novo início) adequado este tipo de material (na página GFNL são ensinadas milhares de maneiras de se reaproveitar estes materiais na própria horta, vale dar uma olhada). O alívio na cadeia de resíduos da cidade e consequentemente no meio ambiente podem ser extraordinários.

Dando um passo além e pensando ainda em maior escala (ou menor, como preferem os geógrafos, já que o denominador da fração é quem aumenta), a agricultura urbana representa também um incremento de justiça social e econômica. Com a reforma agrária inacreditavelmente empacada em países como o Brasil há décadas, essa atividade pode se transformar em fonte alternativa de renda e levar à descentralização da produção de alimentos, que tem causado genocídio (inclusive cultural), concentração de renda, destruição ambiental e êxodo rural, aliados ao aumento do trabalho escravo, característicos da agricultura industrial (o agronegócio). Ainda, as menores distâncias entre produtores, agora na cidade, e consumidores, fortalecem os mercados locais, contribuindo também para a distribuição de renda e diminuindo a necessidade de transporte, notável poluidor e responsável por perdas substanciais da produção. No mundo todo são crescentes as iniciativas de criação de hortas comunitárias no lugar de praças abandonadas (ou praças de esportes etc) em comunidades pobres, e as vantagens nutricionais, ambientais e socioeconômicas desses modelos têm dado ótimos retornos.

Mais uma olhada na foto aérea e outras vantagens emergem, desta vez relativas ao planejamento do uso e ocupação do solo. É praticamente inimaginável que uma chuva forte neste contexto resultará nas tragédias previsíveis enchentes que vemos em todos os grandes e médios municípios brasileiros; em primeiro lugar, o percentual de impermeabilização não deve chegar a 30%, permitindo a infiltração e o acúmulo da água no solo, minimizando os escoamentos superficiais; em segundo lugar, é bastante provável que cada agricultor urbano capte e armazene a água das chuvas que chega à sua casa, pois tem consciência de seu valor; e ainda, a diminuição do lixo e da carga de sedimentos arrastados com os escoamentos aumentaria a eficiência do sistema de drenagem do município. Na realidade brasileira, podemos citar o exemplo da impermeabilização da Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana da Cidade de São Paulo (Figura abaixo), onde os percentuais de impermeabilização chegam a 84%, tornando inevitáveis as enchentes que assolam a região metropolitana da cidade. As soluções megalomaníacas mágicas emergenciais (e caras!) propostas variam entre a criação de crateras gigantes de armazenamento da água (!!!) e desassoreamento do Tietê (leia-se aumento da calha) pra tentar compensar a imbecilidade e o desleixo na organização espacial da cidade, enquanto o problema real continua sendo ignorado.

Tragédia anunciada: distribuição espacial da percentagem de área impermeável dos distritos da zona urbana de São Paulo no começo da década de 2000. Fonte: http://migre.me/dZVlN

Pensando ainda neste contexto, é possível visualizar corredores ecológicos sendo formados nesta configuração de planejamento urbano, especialmente se mantidas APPs e Reservas urbanas (um Parque, por exemplo). Neste sentido, uma matriz intransponível no modelo atual brasileiro pode se transformar em local mais propício ao estabelecimento e deslocamento de espécies animais e vegetais, melhorando fluxos gênicos e a conectividade entre populações, que de outra forma estariam isoladas e mais vulneráveis.

Esta nova configuração resultaria em aumento da qualidade ambiental e de vida, tornando as cidades menos cinza, mais harmoniosas e mais vivas. A educação ambiental propiciada pelo contato com a terra, o cuidado com o lixo e a convivência com as áreas verdes, aliada à responsabilidade socioambiental na produção local de comida, elevariam o senso de responsabilidade e solidariedade das pessoas. A menor necessidade de dinheiro, o maior (e melhor) contato com os filhos e vizinhos, a existência de vida fora de casa e o real aproveitamento do tempo livre (que talvez aumente) também contribuiriam para o aumento da felicidade das pessoas. Tudo isto em um contexto mais saudável, mais limpo e mais sustentável.

Talvez demoremos a atingir este ponto, mas o primeiro passo pode ser dado por qualquer um, em qualquer lugar. Este texto é meu primeiro passo, o próximo quem sabe será um quintal como o da foto abaixo, onde todos possam ajudar e/ou pegar os alimentos que quiserem. Seja você também mais solidário, mais humano, mais vizinho, mais amigo, mais pai, mais filho, mais feliz. Grow food, not lawns.




quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Os benefícios do crescimento da observação de aves no Brasil

A observação de aves é uma atividade relacionada ao turismo ecológico que está longe de ser uma novidade no mundo, mas tem ganhado um impulso muito grande no Brasil nos últimos anos. Conhecida pelos vocábulos birding ou birdwatching nos Estados Unidos e na Europa, onde tem grande força e movimenta bilhões de dólares anuais, se caracteriza por uma intensa conexão do birder com o ambiente natural e está cada vez mais fácil de se praticar. Neste contexto, o Brasil pode se considerar privilegiado enquanto local para o contato com estas criaturas aladas, que chegam a quase duas mil espécies por aqui, número que nos coloca como segundo mais diverso do mundo, atrás apenas da Colômbia. Não é por acaso que birders de todo canto vêm ao país todos os anos para observar algumas das aves mais incríveis do planeta, em busca de cores espetaculares, seus belos cantos e sua diversidade.

Atualmente, quase toda grande cidade brasileira conta com um ou mais grupos de observadores, que se organizam em passeios, encontros e viagens em busca de observar, fotografar, escutar e gravar estes animais. O desenvolvimento tecnológico mudou pra melhor a vida destas pessoas nos últimos vinte anos, permitindo a adesão de passarinheiros de todas as idades. Os registros e os encontros com as espécies se tornaram muito menos trabalhosos pelo surgimento e o contínuo aperfeiçoamento de câmeras e gravadores digitais; a expansão das redes de observadores, com a criação de grupos nacionais e regionais que compartilham informações, registros e novidades do mundo das aves em redes sociais, grupos de email e sites específicos; o desenvolvimento de novas tecnologias para a modernização de lunetas e binóculos; e a revolução proporcionada pelo playback, técnica que consiste em reproduzir a vocalização da ave de interesse de forma a estimular um canto-resposta ou mesmo atrair a ave para perto do observador, facilitando a visualização e permitindo melhores fotografias e gravações. Não é preciso dizer o quanto era difícil carregar pelo mato uma coleção de gravações próprias em fitas cassete e um toca fita movido por uma dúzia de pilhas, aguardando o momento certo de procurar uma ave específica na bagagem. Quem se aventura com o playback hoje consegue baixar diversos tipos de vocalização de milhares de aves do mundo gratuitamente na internet, colocar em um celular ou mp3 e reproduzir em caixas de som portáteis movidas a pilhas que duram uma eternidade.

Acompanhando a revolução das redes sociais, outro pilar principal da explosão do birdwatching de fim de semana no Brasil nos últimos cinco anos é o site Wikiaves, a Enciclopédia das Aves do Brasil, ponto de encontro de obervadores do mundo inteiro. Neste site, usuários compartilham registros auditivos e fotográficos realizados em território brasileiro ou estrangeiro de qualquer uma das 1.832 aves de ocorrência reconhecida no Brasil pelo CBRO (Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos). Cada espécie ganha sua própria página com informações biológicas (reprodução, características, ocorrência, hábito, alimentação) e um mapa de ocorrência construído pelos próprios usuários ao compartilhar suas fotos e sons. Da mesma forma, cada usuário cria o seu perfil para publicação de seus registros, que ao serem aprovados geram um compilado de informações para si (número e lista de espécies registradas, locais visitados, dentre outros) e para os municípios, estados e Unidades de Conservação brasileiros (número de espécies, lista de espécies, lista de usuários e visitantes, dentre outros). Mapas interativos, fórum de discussões e ferramentas completas de busca permitem encontrar praticamente qualquer tipo de informação que o usuário necessitar. Vai viajar amanhã pro Pantanal ou pra Amazônia? Entre no site e veja a relação de espécies do seu destino, em quais Municípios cada espécie ocorre ou pode ocorrer, o tipo de hábitat e a melhor época do ano para encontrá-las, gravações para playback disponíveis para download, guias e usuários experientes da região que podem te mostrar os melhores locais de observação.

O ponto mais interessante no crescimento desta atividade é a série de benefícios às pessoas e à conservação das aves e do meio ambiente no Brasil. A começar pelo seu caráter democrático, que permite a prática por pessoas de todas as idades e diferentes trajetórias de vida, levando à formação de novas amizades, parcerias e o intercâmbio de experiências em assuntos diversos. A educação ambiental também é um dos importantes ganhos pessoais e coletivos experimentados pelos usuários, que estabelecem conexões muitas vezes nunca experimentadas com o meio ambiente através das aves e de seus diferentes hábitats. Este primeiro passo frequentemente leva à tomada de consciência em outros temas e conceitos importantes na conservação da biodiversidade muitas vezes negligenciados pelo grande público, como destruição e fragmentação de hábitats, tráfico de animais silvestres, extinções locais de espécies, qualidade ambiental e importância de políticas públicas voltadas à conservação. Assim, pessoas que começam a se preocupar com a ocorrência desta e daquela espécie em sua própria cidade se tornam gradativamente mais sensíveis a abraçar a causa ambiental no seu dia-a-dia, como o acompanhamento das políticas de meio ambiente de sua região, a escolha dos ingredientes do almoço e a preocupação com a destinação adequada de seu lixo.

Curiosamente, a ciência também tem se beneficiado do caráter democrático do birdwatching, que frequentemente gera registros documentados de extrema relevância para o conhecimento e a conservação de aves brasileiras em novos comportamentos, novas características, novas áreas de ocorrência de aves e até de novas espécies para o Brasil. Um exemplo bastante interessantes é o registro do combatente (Philomachus pugnax) em Belo Horizonte, espécie de maçarico jamais registrada em território brasileiro e surpreendentemente clicado pelo observador Daniel Dias na Lagoa da Pampulha em 2013.

Inúmeros outros benefícios desta prática podem ainda ser experimentados e proporcionadas por passarinheiros no Brasil, como o incentivo à atividades físicas, já que a observação pode ser associada a esforço físico por seus praticantes em caminhadas, trilhas, viagens e outras aventuras; a criação de novos destinos e roteiros de turismo sustentável no país, que movimentam a economia dos locais de destino, favorecem a preservação de áreas naturais e geram emprego e renda pela demanda de serviços especializados de guias, hospedagem, viagem e alimentação; formação de vínculos pessoais afetivos, de amizade e de contatos profissionais; aumento do interesse por conhecer a própria cidade pela busca constante de novos e diferentes locais de observação, contribuindo direta e indiretamente para a formatação de políticas públicas.

Por tudo isso, a prática da observação de aves, quando realizadas de maneira correta e ética – como por exemplo, não abusar de playbacks, saber utilizar o flash nas fotografias e se portar adequadamente diante de ninhos e filhotes – é benéfica para seus praticantes, para a sociedade e até para a ciência. Qualquer pessoa interessada pode começar já, procurando um grupo de observadores de aves na sua região e em redes sociais, ou simplesmente se aventurar por aí ouvindo, observando, fotografando e gravando estes seres extraordinários. Aqui vão alguns links que podem ajudar nestas tarefas, e boas passarinhadas para todos nós!

Links úteis:
Wikiaves – encontre as espécies e usuários de sua cidade e sua região, consiga auxlio na identificação de seus registros, veja informações variadas sobre cada uma das espécies brasileiras, fórum de discussões de todos os temas relacionados e muito mais.
Código de ética da observação de aves:  - tradução e adaptação do The American Birding Association's Code of Birding Ethics.

__________________________
Originalmente postado no Autossustentável: http://www.autossustentavel.com/2013/12/beneficios-observacao-aves-brasil-birdwatching.html

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Economia ecológica

"(...) O mundo mudou dramaticamente. Nós vivemos agora em um mundo relativamente cheio de humanos e sua infraestrutura de capital construída. Neste novo contexto, nós temos que primeiro lembrar que o objetivo da economia é de prover de maneira sustentável o bem estar humano e a qualidade de vida. Nós temos que nos lembrar que o consumo material e o PIB são meramente meios para este fim, e não o fim por si mesmos. Nós temos que reconhecer, como a sabedoria antiga e novas pesquisas da psicologia nos contam, que o consumo material além da real necessidade pode na verdade reduzir o bem-estar. Nós temos que entender o que realmente contribui para um bem-estar humano sustentável, e reconhecer as contribuições substanciais do capital natural e social, que hoje já são os fatores limitantes em muitos países. Nós temos que ser capazes de distinguir entre a real pobreza em termos de baixa qualidade de vida e a mera baixa renda. Por fim, nós temos que criar um novo modelo de economia e desenvolvimento que reconhece esse novo contexto e visão de mundo."

ROBERT COSTANZA. Toward a new sustainable economy. Real-World Economics Review, nº. 49, pp. 20-21, 2009. Disponível em: http://www.paecon.net/PAEReview/issue49/Costanza49.pdf.

terça-feira, 12 de março de 2013

A rebrota de Bola Pra Mata!

Após algum lack de tempo para me dedicar a postagens, este blog se reinaugura em 2013 com força total. E não, não é porque o ano só começa depois do carnaval...

Esses últimos meses foram bem corridos e dedicados à monografia para conclusão de curso e concurso de mestrado, aliado a 30h/semanais de estágio, um namoro e a novela da contratação de Diego Tardelli pelo Galo, que me tomou excepcional quantidade de energia.

Felizmente o Tardelli veio, minha monografia foi aprovada com um honroso 98 (extrapolei em 4 minutos o tempo máximo permitido para poder explicar uma curva de demanda a uma plateia de biólogos...), meu namoro já bateu um ano e eu passei no concurso de mestrado de uma das mais importantes universidades da América Latina. Agora é reviver o projeto do blog cuja experiência me rendeu bons frutos no último semestre.

Nas próximas semanas falarei sobre a valoração de serviços recreativos no PNSC (monografia), que somam significativos 50 milhões de reais por ano; sobre a impressão de minha visita ao Parque Estadual do Rio Doce, seus pontos positivos e negativos; sobre minha recente imersão no mundo do birdwatching; sobre as novas e crescentes ameaças prometidas pelos Senadores e Deputados à sobrevivência de toda e qualquer forma de vida do País e do continente que não lhes dê dinheiro para campanha eleitoral; sobre o novo, e (FINALMENTE!) realmente novo partido que irá surgir no País ainda este ano pela iniciativa fantástica de um grupo de milhares de pessoas bem intencionadas - Rede Sustentabilidade; e sobre o Galo de Ronaldinho Gaúcho, que vem estarrecendo a América.

Aguardo vocês por aqui nas próximas semanas,
Um abraço.