sábado, 24 de junho de 2017

Não existe floresta grátis

Esta casa pertence a uma holandesa e estava no caminho do inacreditável incêndio de Portugal. Enquanto todo mundo perdeu tudo, vida, família, casa, bens, esta senhora perdeu praticamente nada. Escreveu no Facebook que ia pra varanda tomar uma cerveja após voltar de mais um funeral.

Liedewij Schieving salvou o que tinha porque manteve árvores nativas ao redor de sua casa em uma espécie de sítio agroflorestal chamado Quinta da Fonte, ilhada em meio a um mar de eucaliptos.

Eucaliptos são nativos da Austrália e foram largamente plantados nas montanhas portuguesas, como se faz no Brasil, ao mesmo tempo em que o país vivenciava um grande êxodo rural, como se faz no Brasil. Resultado: imensos eucaliptais, com muita matéria orgânica seca sobre o solo, sem manejo, sem cuidados e sem ninguém por perto pra se preocupar, já que quem planta eucalipto só aparece de 8 em 8 anos pra fazer dinheiro rápido. Bem rápido mesmo. Difícil até saber o que é mais rápido, o dinheiro ou a pressa deles em ir embora dali.

Os eucaliptos têm outro agravante que é a produção de uma resina inflamável, o que lhes dá a capacidade de, como descreveram os inúmeros relatos de portugueses, fazer labaredas saltarem por sobre os vales, de uma montanha a outra. A imensa maioria das espécies nativas não têm esse 'problema', que de qualquer forma é diluído em uma floresta saudável e com alta diversidade. Como a lógica indica, também são mais bem adaptadas ao clima local e, portanto, mais resilientes. A maioria das árvores do sítio não queimou - da mesma forma que blocos preservados de Amazônia não pegam fogo - por causa das espessas e volumosas folhas de suas copas e do bolsão de umidade mantida pela brava fileira de carvalhos, castanheiras, oliveiras e sabugueiros.

Não tem erro gente. Não tem erro, não. Se mete a manejar áreas nativas com base no que é mais fácil, mais rápido, mais barato, e pague um preço alto lá na frente. Respeite o ecossistema nativo, os bilhões de anos de evolução deste planeta e o conhecimento científico já acumulado pela humanidade e evite tragédias anunciadas sem nem tomar conhecimento que elas poderiam ter ocorrido.

Serve pra eucaliptal, pra monocultura de soja, pra mega-barragens em rios, não importa. Os serviços prestados pelo meio ambiente são que nem um PF na hora do almoço no restaurante da esquina:

ELES NÃO EXISTEM GRÁTIS

Postado originalmente (com grande repercussão) no Facebook.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Animação mostra os impactos ambientais de estradas na Amazônia

Veja como a degradação florestal, a extração de madeira e os focos de incêndio na Amazônia estão intimamente relacionados à presença de estradas, que permitem o acesso a locais anteriormente remotos da floresta.

Veja a relação entre degradação ambiental, retirada de madeira e focos de incêndio na Amazônia com a presença de estradas.
Fonte dos mapas: http://florestasilenciosa.ambiental.media/

Se você pausar o GIF nos focos de incêndio florestal, por exemplo, consegue ver claramente o traçado da rodovia transamazônica. Esta corta o coração da Amazônia brasileira de nordeste a sudoeste e se encontra com a BR 163, vinda do Mato Grosso, bem no centro do mapa. Um pouco abaixo dessa confluência, às margens da estrada, estão unidades de conservação como a Floresta Nacional do Jamanxim que estão sendo tomadas por grileiros e que deverão ser destruídas por Temer e a bancada ruralista. A ocupação é obviamente induzida pela rodovia. Também podem ser vistos vários pequenos focos de incêndio ao longo do rio Amazonas, outra via importante de transporte.

Outro ponto que chama a atenção é a BR 319, de Manaus a Porto Velho, no centro-oeste da Amazônia. Há muito pouca degradação ambiental no entorno da rodovia porque ela não é asfaltada e está em condições precárias. O projeto de asfaltamento sofre firme resistência do IBAMA e de especialistas e há uma clara tentativa de atropelar o licenciamento ambiental e apressar a obra, como é praxe do nosso governo, o que fatalmente abriria a última fronteira de desmatamento no intacto - pois isolado - bloco de florestas do oeste brasileiro.

Tirei os mapas do belo projeto do http://florestasilenciosa.ambiental.media/

Postado originalmente no Facebook.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

O tiozinho da Embrapa atacou de novo

Tô aqui embasbacado com o "artigo" do intrépido tiozinho da Embrapa, Evaristo de Miranda, publicado no Estadão (http://bit.ly/2tdcM1k). Ele assinou com caps lock no fim "CHEFE GERAL DA EMBRAPA MONITORAMENTO POR SATÉLITE". Não lia nada tão ruim desde o prefácio do PL que alterava o Código Florestal, de autoria do Aldo Rebelo. É sem dúvida um grande feito (que achei pelo ótimo ClimaInfo).

Não me refiro aos incontáveis erros de concordância ou à, digamos, ousada aplicação de pontos de exclamação, parênteses e reticências ao longo do artigo. O que escandaliza é a desonestidade com os dados, a absoluta ausência de rigor científico e a deliberada distorção de números, fatos e estatísticas pra ludibriar leitores leigos.

O título já é audacioso: "Agricultura lidera preservação no Brasil". Qualquer pessoa mais ou menos bem informada já sabe que vem por aí uma cruzada anti-ambiental pautada no falso antagonismo entre produção e preservação; e que o texto invariavelmente vai falhar na sustentação de tão audaciosa sentença.

É o que acontece: primeiro Evaristo cita que o Brasil tem 13% do território em APs (áreas protegidas, ou seja, unidades de conservação + terras indígenas, segundo a definição que ele parece ter usado aqui), quando tem pelo menos o dobro (http://bit.ly/2td7MJV). Depois ele afirma que a área de reserva legal protegida nas propriedades rurais (20,5% segundo ele) é maior que a área das APs (13%) porque é 20 é maior que 13, sem citar que 20 se refere apenas a área somada das propriedades rurais (ou seja, 410 milhões de ha) e que 13%, que na verdade são 27%, se aplicam sobre toda a área do país (851 milhões ha); matemática básica, as áreas protegidas não são pouco mais da metade, mas o dobro do percentual (não 13, mas 27%) de uma área duas vezes maior (851 x 410), ou seja, 4 vezes mais terras do que as reservas legais, quase 8x o que ele sustenta. Pra quem é CHEFE GERAL DA EMBRAPA MONITORAMENTO POR SATÉLITE é um "erro" com algum peso...

Detalhe: sei que não deveria, mas tô dando um voto de confiança nos 20% dele sobre preservação em propriedades rurais, com base no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Desconfio que tem mutreta estatística aí também, como contabilizar áreas de preservação que deveriam ser preservadas, mas que não estão de fato, seja pela anistia de Dilma  Temer e sua base aliada, seja pela ineficiência da aplicação da lei. Além disso, o CAR é feito com base apenas na declaração dos proprietários e não tem georreferenciamento obrigatório, portanto ainda carece de validação por parte do poder público, por via remota ou por vistorias. Evaristo deu sua opinião sobre esta necessária validação de dados pra que o código florestal seja de fato cumprido: "pasmem! – algumas instituições ainda pretendem organizar uma verdadeira 'inquisição informatizada' para analisar a situação ambiental de cada um".

Miranda is on fire: diz que reserva legal, aquele percentual da sua propriedade que você não pode mexer pra fins de preservação, é tipo você comprar um ap e não poder usar 80% da área dele ¯\_(ツ)_/¯. Esse insight maravilhoso sequer é original, dado que todos os outros lobistas do agronegócio, como por exemplo a feminista-neocomunista Kátia Abreu, costumam passar vergonha com ele. Completa dizendo que o proprietário "cuida de tudo e paga impostos, mesmo sobre o que lhe é vedado usar", o que é uma mentira deslavada, dado que o ITR (o IPTU da roça) é calculado com base apenas na área "produtiva" (e também tem alto índice de sonegação porque carece de validação dos dados, Evaristo, não vamos esquecer).

O fim do artigo é dedicado a desafiar a própria lógica em uma longa explanação com números nebulosos mostrando o tanto que a agricultura preserva mais que as terras indígenas e as unidades de conservação. Ora, se isso é verdade, apenas reforça a tese de que temos um grande déficit de áreas protegidas no Brasil. De fato o único bioma bem protegido é a Amazônia, com grandes UCs e TIs; no sudeste e no sul os indígenas foram dizimados nos primeiros séculos e as paisagens rapidamente convertidas, e o que se discute hoje é como salvar o que sobrou e como evitar que o Cerrado, a Caatinga e a Amazônia tenham o mesmo destino dos Pampas e da Mata Atlântica, onde praticamente não há pra onde expandir APs. O fato de propriedades rurais abrigarem boa parte dos remanescentes só reforçam que a exigência de reservas legais e APPs em propriedades rurais é uma política acertada.

Pra terminar, Evaristo argumenta que "a responsabilidade e os custos decorrentes da imobilização e da manutenção dessas áreas recaem inteiramente sobre os produtores, sem contrapartida da sociedade, principalmente dos consumidores urbanos", o que ignora que as áreas preservadas (dentro e fora das propriedades) são o que garantem a água, os polinizadores, a ciclagem de nutrientes, a estabilidade climática e muitos outros insumos da agricultura; ignora os 200 bilhões anuais de crédito altamente subsidiado que a sociedade brasileira dá pra viabilizar o setor; e ignora a poluição do ar e da água, a concentração de renda, o trabalho escravo, o êxodo rural e todos as outras imensas externalidades que a sociedade recebe de volta, de forma difusa, sem contrapartida dos 'grandes produtores'.

E a parte mais triste é a ameaça final: "a Embrapa calculará o valor e o custo de toda essa área imobilizada". O papelão da Embrapa em 2010 se omitindo quando se discutia o novo código florestal, sua atuação orientada pro desenvolvimento de tecnologias em transgênicos com dinheiro público e o abrigo que dá a pessoas dedicadas a fazer lobby do agronegócio - essa seita parasitária que busca crescer a qualquer custo avançando sobre a destruição de direitos alheios e bens comuns - é a parte mais triste da história.

Postado originalmente no Facebook.