quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Mata Atlântica é igual o governo Temer: não tem notícia boa

Divulgaram essa boas notícias aí sobre a Mata Atlântica (https://goo.gl/W1E28r). Mas notícia boa da Mata Atlântica é igual notícia boa do governo Temer. O fato de que 200 mil hectares de Mata Atlântica estão se regenerando nos últimos 30 anos não é algo a ser comemorado, é apenas... uma divertida curiosidade.

Divirta-se você também imaginando porque a mata atlântica está se regenerando aleatoriamente Brasil afora. Um tiozinho brigou com a esposa por causa das vacas e jurou que nunca mais ia mexer com esses trem de pasto, só de raiva? Um agricultor bem velhinho morreu e os herdeiros, que realizaram o sonho do pai de ir pra faculdade, não querem nem saber de mexer com mato? O Sebastião Salgado ficou milionário e resolveu fazer uma ação bonitinha na fazenda irrelevante da família dele com patrocínio das mesmas empresas que queimaram a floresta primária de todo o leste de Minas Gerais em forno de fundir minério de ferro?

Claro que você pode incluir os projetos de reflorestamento, Pagamento por Serviços Ambientais, RPPNs, mosaicos, planos municipais da mata atlântica, recomposição de APPs e afins, iniciativas de organizações espetaculares como a SOSMA e pessoas igualmente espetaculares, que conseguiram na raça avanços pontuais em diferentes lugares. Grande esforço dos estados, do governo federal, programas, projetos de reflorestamento que dêem conta do tamanho do buraco em que o bioma está enfiado, não adianta perder tempo procurando.

De divertida a situação da Mata Atlântica não tem nada. A matéria omite mas o desmatamento medido pela mesma instituição, ou seja, provavelmente com os mesmos métodos e no mesmo período, foi pelo menos 9 vezes maior (https://goo.gl/YqESXB), o que torna o resultado líquido muito, mas muito, mas muito negativo. Com a outra desvantagem de que o desmatamento não é randômico como a regeneração, ele é muito bem organizado pela mineração e pelo agronegócio (https://goo.gl/9xi1K9). A carência de notícias boas é tão grande que estamos divulgando a regeneração bruta sem descontar o desmatamento.

Já o outro dado de que o desmatamento caiu 83% em 30 anos e que 7 estados conseguiram levá-lo a zero, bem, isso não é muito mais do que o esperado. Restam míseros 12,5% de florestas em extrema fragmentação segundo o mesmo levantamento, a margem pra desmatamento hoje é baixa e obviamente a taxa histórica não se sustenta. Florestas são finitas. A lei da mata atlântica e os planos municipais são avanços muito importantes e restringem o desmate, mas convenhamos, estamos muitas décadas atrasados, o momento de preservar era o estágio de 50, 80 anos atrás. Mais do que preservar, o urgente é restaurar, restaurar, restaurar, restaurar, restaurar, porque se matar pra manter o percentual atual não vai resolver o problema. Já estamos há algumas décadas numa corrida alucinada contra o relógio, cada dia sem restaurar diminui a eficiência da restauração, as populações não restauradas estão sumindo, o pool gênico está se deteriorando com a falta de restauração, a megafauna que não foi restaurada está praticamente extinta do bioma não restaurado, os fragmentos minúsculos definham até se tornarem inúteis na falta de conectividade. Vou repetir restaurar mais uma vez nesse fim de parágrafo pra ver se grava. Restaurar.

Não digo que é fácil nem que os esforços são mal direcionados. Quem tá nessa luta faz o que pode fazer, contando apenas com as próprias forças.

Só pra ficar mais didático: o Brasil tem o compromisso de proteger 17% do bioma em reservas até 2020, e obviamente seria bacana ter florestas também fora das reservas; restam 12,5% da MA, sendo menos de 2% em reservas (não tô contando APA tá gente, por motivos óbvios); de 2009 pra cá, o desmatamento (bruto, em área) aumentou - diminuiu sim em relação a 1985, mas aumentou em relação a 2009. Ou seja, precisamos no curto prazo zerar virtualmente o desmatamento e restaurar no mínimo uns 10% da área e transformar quase tudo que restou em reservas, o que é uma utopia bem grande. Isso pra ter o mínimo do mínimo do mínimo. Tão acompanhando? 10%.

A regeneração comemorada nesta matéria, acumulada em trinta longos anos, quase o tempo que o cruzeiro levou pra ganhar seu primeiro campeonato brasileiro, corresponde a... 0,18%. Zero vírgula dezoito porcento.
(texto originalmente postado no Facebook)

Pegadinha na Mata Atlântica