segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Cristovam Buarque, pai da economia ecológica

"(...) para o Brasil eu acho melhor a substituição. No direito tem uma expressão in dubio pro societate [na dúvida, decida a favor da sociedade]. Por exemplo: se tem dúvida se um cara é ou não terrorista, prende."

A frase acima, dita por Cristovam Buarque, me lembra um causo que me dá arrepios até hoje.

Trabalhei nos últimos 5 ou 6 anos muito próximo da economia ecológica, vertente radical da economia que rompe com o tradicional looping infinito crédito+crescimento do PIB, e que tenta construir as bases de uma economia que se paute nos limites planetários e não insista em tentar contestar a segunda lei da termodinâmica, que é incontestável.

Em 2014 chegamos a organizar um seminário com os maiores nomes desta área na UFMG. Lá eu dividi umas heinekens com um dos pais da economia ecológica moderna, um sujeito impressionante em todos os aspectos, de didática única, apaixonado pelo Brasil e um excelente português: o americano Joshua Farley.

Durante uma meia hora o Farley me tirou dúvidas que eu carregava há anos e me fez duas revelações que eu nunca vou esquecer: a primeira, de quando namorou a prima de um cantor underground brasileiro e assistiu o início da carreira desse cara tocando em lugares bem acanhados da noite recifense. Seu nome era Chico Science.

A segunda revelação era ainda mais inesperada e se passou alguns anos antes.

Desiludido já no doutorado com a opção que fez em economia, o Farley pegou uma bolsa de intercâmbio pro Brasil em que teria que cumprir uma única condição da universidade: estudar qualquer coisa que não fosse economia neoclássica. Desembarcou na UnB por volta de 1990.

O reitor à época era Cristovam Buarque. Ao conhecer a situação do Joshua, Cristovam marcou uma reunião pra lhe apresentar as bases de um campo de estudo da economia que tinha acabado de conhecer e que lhe parecia promissor: era a economia ecológica.

Eu juro que o Farley me contou isso em pessoa: a primeira vez que ele, um dos maiores nome do mundo no campo da economia ecológica, ouviu falar no assunto, foi em uma conversa com Cristovam Buarque ocorrida quase 30 anos atrás.

Tudo isso pra tentar dizer que foi um impacto forte e que me deixou muito perturbado descobrir pela declaração acima que o Cristovam, o primeiro cara em quem eu votei pra presidente, é um velho gagá meio fascista com pouco apreço à constituição e com uma noção incrivelmente afetada de direitos humanos.

Esse cara que talvez nem saiba que provavelmente mudou o rumo da economia no mundo. Se há um golpe em curso, o cara que inspirou o atual maior economista ecológico de todos é um baita dum golpista.
(originalmente postado no Facebook)

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