sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O triste fim do homem que preservava

Pensa no seu Bento, um senhor bem velhinho curtindo seus últimos 20 anos nessa encarnação, daqueles bem humildes, vida tranquila na roça desde que nasceu e sempre com uma xícara de café açucarado pro caso de visita. Nos fundos da casa, sua senhora cuida dos pés de cebolinha e tenta catar uma galinha pro almoço.

Agora imagina que esse senhorzinho mora num dos lugares mais incríveis do mundo, sei lá, num cerradinho do interior de Goiás. Nos fundos da casa dele existem espécies de plantas que foram extirpadas de todos os outros cantos do país pra dar lugar à soja que só alimenta os ônibus das capitais europeias. Dizem que é bom assim porque biodiesel é energia limpa. Mas tergiverso. Imagina que, como aquelas plantas do seu Bento, existem vários passarinhos, lobos guará, onças e tudo quanto é bicho que já não existe mais em cerrado nenhum. Aquele lugar é tão especial, tão incrível, que o casal de velhinhos não arreda pé e não deixa que ninguém faça nada que o maltrate. Criaram 7 filhos ali. É a sua casa desde sempre.

Em pleno século XXI, temos um raro pedaço de cerrado muito bem preservado, que o governo vai até transformar em Parque.

Em 10 anos, tudo muda. São 200 mil hectares de Parque ao redor do seu Bento, agora tudo protegido. Ninguém mais corta árvore, nenhum vizinho mais põe fogo pra fazer roça, aliás, vizinhos são coisa rara. Dá pro seu Bento andar umas boas 20 horas sem achar uma alma pra prosear. Também não pode mais construir, nem receber visitas que não sejam cadastradas no escritório do Parque lá na cidade, nem vender as coisas que ele planta. Ficou sabendo que em Parque não pode ter gente morando, muito menos produzindo como ele, porque isso acaba com a natureza. Já se foram 10 anos e o seu Bento tá num desanimo só, a revolta de perder tudo já até esfriou, ele já desistiu de lutar pela terra, já parou de cuidar do jardim, já se despediu da meia dúzia de gerações ancestrais que estão enterradas ali.

Ele já aceita o diacho da indenização do governo pra poder procurar um outro cantinho e lamber suas feridas.

Mas o governo anda meio quebrado.

Seu Bento tem que receber por 200 hectares de terra. O governo já deve indenização em 20 milhões de hectares. Segundo as últimas estimativas, no melhor cenário possível isso custaria pouco mais de 7 bilhões de reais, mas pode ser que sejam 21. Pouco mais da metade do preço da usina hidrelétrica de Belo Monte. Entre 2012 e 2014, segundo o Portal da Transparência, foram pagos 3 milhões. Um décimo da fiança do João Santana. Um milhão por ano.

Seu Bento tá na fila, esperando, sem saber bem o lugar que ocupa. O gestor gente boa deixa ele ficar lá enquanto o dinheiro não vem. Seu Bento torce pra não ser o último.

Se o governo brasileiro não criar mais nenhuma Unidade de Conservação – e ainda precisamos de pelo menos 616 mil km², umas 5 Inglaterras, sem contar as UCs marinhas, pra cumprir os acordos internacionais – o último da fila receberá a indenização que lhe cabe em meados do ano 9.114. Depois de Cristo. No cenário otimista.
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(Todos os dados apresentados são resultados do meu mestrado e estão sendo submetidos pra publicação.)

(texto originalmente postado no Facebook)

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